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Quarta, 15 Fevereiro 2017 15:55 Última modificação em Sábado, 18 Fevereiro 2017 12:14

4 lições da greve da PM no Espírito Santo Destaque

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País: Brasil / Repressom e direitos humanos / Fonte: MonBlog

[Jorge Nogueira] Desde o estouro da crise financeira de 2008 o ajuste fiscal tem sido a política das classes dominantes para tentar manter o processo de acumulação e reprodução do capital. A lógica consiste em cortar direitos do andar de baixo e recursos dos serviços públicos para sustentar dívidas públicas suspeitas, cuja quase totalidade delas nunca foram auditadas. Assim, o ajuste fiscal atua como um Robin Hood ao contrário.

1) O ajuste fiscal não “coloca a casa em ordem”

Desde o estouro da crise financeira de 2008 o ajuste fiscal tem sido a política das classes dominantes para tentar manter o processo de acumulação e reprodução do capital. A lógica consiste em cortar direitos do andar de baixo e recursos dos serviços públicos para sustentar dívidas públicas suspeitas, cuja quase totalidade delas nunca foram auditadas. Assim, o ajuste fiscal atua como um Robin Hood ao contrário.

É preciso compreender que a questão ultrapassa a moralidade, ainda que o funcionamento do sistema esteja eivado de imoralidades. Não se trata simplesmente de uma maldade praticada por sadismo. As classes dominantes estão a cuidar dos seus interesses de classe e da sua formação social, e tentam mascarar isso com discursos ideológicos como o de que o ajuste fiscal é um “remédio amargo” necessário para “colocar a casa em ordem”.

Como é facilmente constatável o “remédio amargo” só é servido para o andar de baixo, e ainda assim de forma forçosa, enquanto que para o andar de cima aumentam as doses de “melzinho na chupeta”. A população tem perdido empregos, salários, aposentadorias e serviços públicos essenciais ao passo que percebe que grandes bancos e grandes empresas recebem cada vez mais dinheiro público e outras benesses (isenções fiscais, financiamentos a fundo perdido, subsídios, etc) e que os políticos que alardeiam crise e pedem paciência ao povo também ampliam seus privilégios.

Nesse cenário fica difícil do povo manter a calma e a instabilidade social, política e econômica se apresenta estremecendo os alicerces da “casa em ordem”. Assim, o ajuste fiscal escancara que seu objetivo é manter em ordem os lucros e privilégios do andar de cima e não organizar as contas públicas - tanto que a dívida pública não só não é auditada como as próprias medidas de ajustes dos governos, como a PEC dos gastos de Temer, permite a elevação da dívida pública em um mecanismo similar ao que foi utilizado na Grécia.

O atual capitalismo globalizado e financeirizado necessita do ajuste fiscal para manter-se respirando. Sua crise não é apenas cíclica, de acumulação, mas estrutural, onde o desenvolvimento do sistema criou obstáculos a si próprio para poder reproduzir-se. As reformas estão sendo desmontadas e abolidas e o espaço para remendos estão praticamente fechados. Não é casual que aqueles cujo o horizonte é reformar o capitalismo critiquem o ajuste fiscal na oposição para logo em seguida transformarem-se nos seus mais fiéis guardiões no governo, como atesta a experiência grega do partido Syriza.

No Brasil a propaganda ideológica das classes dominantes apresentava o Espírito Santo como um caso bem sucedido de ajuste fiscal, exemplo a ser seguido pelos demais Estados do país [1]. A greve da Polícia Militar (PM) desmoralizou completamente essa propaganda e demonstrou que tal ajuste foi realizado às custas dos seus salários e da precarização das suas condições de trabalho, afetando assim a qualidade do serviço que prestam, comprometendo-o.

2) A culpa do caos não é da greve da polícia

O governo do Espírito Santo e a grande mídia tentaram imputar à greve da PM o caos social que se verificou. Na verdade o movimento grevista apenas escancarou a violência que vem sendo camuflada por ser administrada na “normalidade” do cotidiano via intervenção policial.

A violência urbana tem causas estruturais e sociais não sendo a polícia nem a culpada e tampouco a solução para o problema, como bem reconheceu o homem das fracassadas Unidades de Polícias Pacificadoras (UPPs), José Mariano Beltrame:

“A polícia não é solução do problema. Ela é parte da solução do problema. E esta é a visão sistêmica que tem de se ter do que é segurança. Segurança não é polícia. Dizer que segurança é polícia é uma miopia, porque se isso for assim vamos precisar de verdadeiros exércitos chineses nas ruas do Brasil.” [2]

Insuspeito de ser partidário da esquerda ou de ser militante dos Direitos Humanos, Beltrame crava:

“Quanto mais cidadania você der para uma população, menos polícia você precisa.”

“A luta contra a droga é irracional.” [ibidem]

O parlamento brasileiro nunca aprovou uma única reforma social que promovesse a cidadania. No máximo algumas políticas públicas esporádicas são implementadas. E com as medidas de ajustes fiscais as parcas medidas de promoção da cidadania sofrem cortes que as inviabilizam ou são abolidas.

Empregos, escolas e hospitais são fechados. Bolsas de estudos e financiamentos estudantis são cortados. Vagas em universidades são encerradas. A aposentadoria está em risco. As oportunidades, em um país já escandalosamente desigual, escasseiam ainda mais para as classes populares.

A chamada “guerra às drogas” que já estava perdida antes se transforma em um verdadeiro WO com o ajuste fiscal. O sistema prisional caótico, que não recupera os detentos, está empilhando pessoas por terem sido encontradas com drogas – às vezes quantidades pequenas [3][4]. A legalização, que poderia aumentar a arrecadação e reduzir a violência [ibidem], sequer é cogitada. Pelo contrário, o ex-Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, acredita ser possível erradicar a maconha no país [ibidem].

Eis os elementos promotores do caos! Nenhum deles têm relação com a polícia, esteja ela nas ruas ou aquartelada.

3) Desmilitarizar a polícia não é aboli-la

A greve da PM colocou boa parte da direita brasileira em uma tremenda sinuca de bico. Contrários às greves, defensores do ajuste fiscal e ao mesmo tempo dizendo-se amigos dos policiais, boa parte dos quadros da direita tiveram que sair pela tangente disparando contra a esquerda e nesse sentido atacando a pauta da desmilitarização da polícia apresentando-a como a abolição de toda a polícia.

Como o próprio nome indica desmilitarizar é deixar de ser militar, ou seja, desvincular do Exército as polícias que estão a ele ligadas, como é o caso da PM do Espírito Santo, tornando-a uma instituição civil, o que ampliaria os direitos dos policiais, como o de livre expressão, organização e de exercício de greves [5]. E tornar uma instituição civil não tem nada que ver com desarmar a polícia. É por ter essa compreensão que 77,2% dos policiais declararam-se favoráveis à desmilitarização em pesquisa realizada em 2014 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, pelo Centro de Pesquisas Jurídicas Aplicadas da Fundação Getúlio Vargas e pela Secretaria Nacional de Segurança Pública [ibidem].

O chefe último das polícias estaduais são os governadores de Estado. São eles que indicam os comandantes das polícias. A estrutura militar submete os policiais às decisões políticas sem o direito de expressão ou contestação sendo obrigados a cumprir as mais absurdas ordens. Pior ainda: são severamente punidos em casos de desobediência ou revolta, como está ocorrendo no Espírito Santo [6].

A situação é tão absurda que mesmo políticos de direita, como Jair Bolsonaro e Flávio Bolsonaro, reconhecem que essa estrutura acaba favorecendo o abuso político contra os policiais. Mesmo assim eles se recusam a defender o fim dela, alegando que há ocasiões em que a paralisação dos policiais seria inadequada: “como em um reveillón”, conforme declarou Flávio em debate com Marcelo Freixo no Facebook do jornal Extra no dia 10/02/2017.

Ocorre que as ocasiões em que uma categoria entra em greve tem relação com os ataques dos governos ou patrões, seja um arrocho salarial, perda de um direito ou piora nas condições de trabalho. Em 2014, os garis fizeram uma exitosa greve em pleno carnaval com grande apoio e simpatia popular. Ao alegar que há ocasiões inadequadas para uma paralisação eximi-se de responsabilidade os verdadeiros culpados e transfere a culpa para aqueles que resistem. Dessa forma, os Bolsonaros condenam os políticos no atacado para absolvê-los no varejo.

A responsabilidade última por uma greve no setor público é do governo. No caso do Espírito Santo de um governo que vem aplicando há anos um brutal ajuste fiscal. Bolsonaros, Kim Katiguiri, Fernado Holiday, entre outros, defendem as políticas de ajustes fiscais e não têm muito o que oferecer aos policiais que se rebelaram contra as condições produzidas pelo ajuste a não ser discursos histéricos contra os direitos humanos, mentir sobre a desmilitarização e apelar para que trabalhem independente das circunstâncias.

Ao tentar responsabilizar a esquerda pela ausência de policiais nas ruas do Espírito Santo a direita apela para uma ridícula e desesperada tática de tentar fugir das consequências das próprias políticas defendidas. Se alguém “aboliu” a PM capixaba foi o ajuste fiscal e não a esquerda ou a desmilitarização.

4) O Exército não é capaz de combater a violência

Muitos acreditam de forma honesta que o Exército pode cumprir de forma exitosa o papel da polícia e assim extirpar a violência urbana.

Ora, se nem a polícia, que tem preparo, pode ser encarada como a solução definitiva de um problema cujas raízes são sociais e estruturais tampouco pode o Exército – cuja atribuição e treinamento têm outros objetivos.

A continuidade dos saques, roubos e mortes no Espírito Santo [7], mesmo com as presenças do Exército e da Força Nacional, constituem refutações práticas da crença de que os milicos podem resolver esse complexo problema social.

__________________________________________________________

[1] "Ajuste do Espírito Santo é exemplo de lição de casa para Estados endividados", por Samuel Pessôa. 25/12/2016.

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2016/12/1844405-ajuste-do-espirito-santo-e-exemplo-de-licao-de-casa-para-estados-endividados.shtml

[2] "A polícia é só parte da solução do problema", diz José Mariano Beltrame. Entrevista ao Jornal Zero Hora de Porto Alegre. 05/11/2016.

http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/11/a-policia-e-so-parte-da-solucao-do-problema-diz-jose-mariano-beltrame-8153277.html

[3] Insignificância: homem é condenado pelo STJ por tráfico de 0,02g de maconha. 22/06/2015.

http://justificando.cartacapital.com.br/2015/06/22/insignificancia-homem-e-condenado-pelo-stj-por-trafico-de-002g-de-maconha/

[4] Observações sobre a violência no Brasil. 08/01/2017.

http://blogdomonjn.blogspot.com.br/2017/01/observacoes-sobre-violencia-no-brasil.html

[5] 5 fatos que você precisa conhecer antes de falar sobre a desmilitarização da polícia.

http://voyager1.net/politica/5-fatos-sobre-a-desmilitarizacao-da-policia/

[6] PM do ES deve demitir 161 policiais envolvidos em motim. 13/12/2017.

http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/policia/noticia/2017/02/pm-do-es-deve-demitir-161-policiais-envolvidos-em-motim-9721169.html

[7] Grande Vitória tem tiroteio e saques a comércios mesmo com Exército. 07/02/2017.

http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2017/02/grande-vitoria-tem-tiroteio-e-saques-comercios-mesmo-com-exercito.html

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