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Sexta, 19 Agosto 2016 06:58 Última modificação em Segunda, 22 Agosto 2016 00:54

A vitimologia da dependência

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País: Brasil / Direitos nacionais e imperialismo / Fonte: Diário Liberdade

Por Alex Agra

O projeto nacional desenvolvimentista proposto por João Goulart antes da implantação da ditadura empresarial-militar encontrou seu principal inimigo no ambiente internacional: Estados Unidos da América. Na época, ficou evidente a fragilidade (aliada, é verdade, a uma complacência) do aparato de inteligência brasileiro diante do grande desenvolvimento dos sistemas de informação do Estado norte americano. 

O caráter dependente do capitalismo brasileiro alertado por teóricos como Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos e Vânia Bambirra se manifestava também na atividade de inteligência.

Enquanto país periférico dentro da esfera capitalista internacional, o Serviço Nacional de Informações (SNI) também tinha um papel periférico na Guerra Fria: estimular a existência de um inimigo interno no Brasil, caracterizado nos partidos comunistas e movimentos sociais. Esse projeto nacional desenvolvimentista é barrado pelo Estado norte-americano como uma manobra que teve em vista a manutenção do caráter dependente do capitalismo brasileiro.

Mas qual é o interesse desse momento histórico para a reflexão do Brasil atual? Marx escreveu no 18 de Brumário de Luis Bonaparte: “a história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Pensar o Brasil atualmente é necessariamente pensar como ele se localiza nessa relação de dependência e qual é o papel do atual governo nesse sentido.

Se engana quem pensa que os ministros de Temer foram colocados em posições aleatórias e que a repercussão midiática em torno da Lava Jato foi inocente. Basta olhar para o atual Ministro das Relações Exteriores, José Serra, e o projeto dele que "desobriga" a Petrobrás a ser a operadora única e ter participação mínima de 30% na exploração da camada do pré-sal. Esse projeto venceu no Senado por 40 votos a favor, 26 contra e 2 abstenções em fevereiro desse ano, quando ele nem era ministro ainda e teve participação ativa também de Romero Jucá.

Outro dado importante: essa semana foi divulgada de forma envergonhada a notícia de que a Odebrecht planeja vender a MECTRON, uma empresa que desenvolve e fabrica soluções para mísseis e sistemas eletrônicos de vigilância para uma empresa israelense, país que é principal aliado internacional dos Estados Unidos, a ELBIT Systems. Uma notícia, divulgada de forma mais envergonhada do que a primeira, aponta que José Serra recebeu 23 milhões da Odebrecht via caixa dois. Esses dados revelam que não há por parte do ministro um interesse na defesa de um projeto nacional de desenvolvimento, mas exatamente o contrário: há um movimento que aponta na direção de privatizações e a venda do patrimônio brasileiro para empresas estrangeiras.

Na Petrobrás existe um interesse específico muito claro: o pré sal. Segundo o especialista na área Paulo Metri, conselheiro da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros (Febrae) e funcionário da Comissão Nacional de Engenharia Nuclear (CNEN) em palestra realizada no IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o pré-sal representaria um lucro de 10 trilhões de dólares para o Estado brasileiro.

Dada a importância do petróleo enquanto matriz energética principal, os Estados Unidos também já manifestaram seu interesse pelo pré-sal. Edward Snowden apontou em documentos vazados divulgados pelo jornalista Gleen Greenwald que a rede privada de computadores da Petrobrás foi espionada e tinha em vista adquirir informações sobre tecnologia envolvendo a exploração em alta profundidade na camada pré-sal. A Federação Brasileira de Geólogos (FEBRAGEO) divulgou uma nota sobre a venda de 66% da participação da Petrobrás no campo de Carcará, localizado na Bacia de Santos, por US$ 2,5 bilhões, apontando o caráter criminoso dessa venda, considerando que o campo pode valer até dez vezes mais. A justificativa da Petrobrás é que “essa operação faz parte da política de gestão em priorizar investimentos em ativos com maior potencial de geração de caixa no curto prazo”.

A venda da MECTRON, o fim da obrigação da Petrobrás de participar com pelo menos 30% na exploração do pré-sal, e a venda do campo de Carcará estão envoltos em um discurso hegemônico: o da corrupção. Com isso, não quero dizer que a corrupção não existe, pelo contrário, quero atestar as relações intrínsecas entre o discurso da mídia, a corrupção e o que se apresenta como resultado para ela. O discurso contra a corrupção exaltado sobretudo pela Rede Globo de Televisão visa necessariamente legitimar as sucessivas privatizações do patrimônio brasileiro. Não é à toa que a Rede Globo foi a principal apoiadora da ditadura empresarial-militar no Brasil.

O jornalista Lucas Figueiredo, autor da obra Ministério do Silêncio (2005), escreveu recentemente sobre o processo de restauração do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o serviço secreto do Brasil. Ele aponta corretamente que esse restabelecimento significa necessariamente um processo de militarização da Agência Brasileira de Inteligência que se direciona para uma intensificação do espantalho supracitado criado em cima dos movimentos sociais no Brasil. Esse espantalho do inimigo interno criado para legitimar a repressão aos movimentos sociais e partidos de esquerda é também um elemento essencial para a manutenção do caráter dependente do capitalismo brasileiro porque cria todo um aparato de inteligência voltado para o silenciamento da resistência às sucessivas vendas do patrimônio público brasileiro.

Paralelo a isso, a articulação em torno da flexibilização das leis trabalhistas também é um elemento determinante que reforça esse caráter, uma vez que essa flexibilização abre espaço para a superexploração do trabalho e este por si só garante as altas taxas de lucro obtidas através da exploração da mais-valia, permitindo que as empresas estrangeiras possam competir com facilidade no mercado internacional.

O combate à flexibilização das leis trabalhistas se apresenta dessa forma como um referencial importante para o aparato repressivo brasileiro. A existência de uma estrutura de polícia militarizada favorece o modelo repressivo à medida que, inserida em uma lógica de guerra, a polícia enxerga um inimigo interno caracterizado nos movimentos sociais e assim, suprime através da coerção todo e qualquer protesto ou manifestação que possa ser significativa no sentido de combater os golpes contra a classe trabalhadora brasileira.

A inabilidade do governo de Dilma Roussef para a aplicação do ajuste fiscal, relacionada aos limites do projeto democrático popular, fez com que houvesse uma necessidade de aceleração do corte de gastos do Estado brasileiro para garantir o aumento sucessivo das taxas de lucro especialmente do setor financeiro, alimentado pela dívida pública ilegal que consumiu em 2015 cerca de 42% dos gastos do Governo Federal.A saída para essa necessidade de aceleração do ajuste foi um fator crucial na derrocada do governo Dilma e a consequente posse do interino Michel Temer.

O interino foi denunciado pelo Wikileaks, que o acusa de em 2006 ter trabalhado como informante da Agência Central de Inteligência (CIA), enquanto era deputado federal. A denúncia é assentada em uma série de telegramas divulgados pelo Wikileaks em que o cônsul-geral norte-americano Christopher J. McMullen recebe informações estratégicas de Michel Temer, relacionadas inclusive com o governo de Luis Inácio Lula da Silva.

Para conseguir chegar à presidência hoje, a rede que Michel Temer estabeleceu nacionalmente é muito bem estruturada sobretudo por uma peça chave chamada Fernando Francischini, delegado de Polícia Federal e vice-líder do governo na Câmara dos Deputados. Além disso, Francischini é lembrado por ter sido o Secretário de Segurança Pública do Paraná na gestão de Beto Richa e principal mentor da repressão vergonhosa aos professores da rede estadual de ensino.

As reportagens da Folha de São Paulo, do blog “O Antagonista”, e do Jornal GGN apontam que o papel de Francischini no governo Temer foi necessariamente articular dentro do Departamento de Polícia Federal, junto à categoria dos delegados, os vazamentos seletivos de informação que prejudicaram a base do governo Dilma.

O esquema parece funcionar da seguinte forma: os delegados se utilizam das investigações do Departamento de Polícia Federal para obter informações sigilosas e consideradas estratégicas para a categoria dos delegados, e a partir dessas informações sigilosas chantageiam os deputados e senadores para que eles aprovem projetos de lei que beneficiam os delegados. Pode-se tomar como exemplo a MP 657, que restringia o cargo de diretor-geral do Departamento de Polícia Federal apenas aos delegados, e que, para ser aprovada, contou com o vazamento de parte da delação premiada de Alberto Youssef, o que direcionou a base do Partido dos Trabalhadores no sentido de aprovação da MP após longa pressão.

Vale lembrar da declaração de Francischini feita na reportagem da Folha de São Paulo intitulada “Dilma assina medida provisória pró delegados e aumenta a tensão na PF” em que o delegado afirma publicamente que “colocou o governo de joelhos”, logo após a aprovação da MP, declaração que denuncia a participação direta do governo aos interesses dos delegados. Outras mídias, como na reportagem do GGN intitulada “Como os delegados da PF colocaram o governo de joelhos” e a reportagem de O Antagonista intitulada “A guerra suja na PF” apontam o funcionamento desse esquema.

Como foi divulgado pela revista Veja, na reportagem “PF x PF: policiais vão pedir a Janot que mantenha investigações contra Humberto Costa” isso também explica como o senador Humberto Costa, mesmo envolvido na Operação Sanguessuga, na Operação Lava Jato e no Mensalão, ainda se mantém solto. Basta olhar a foto dele recebendo medalha junto à Associação dos Delegados de Polícia Federal e entender como essas relações se localizam de maneira intrínseca. Visto isso, a participação desse setor específico da Polícia Federal também contribui para a entrega do Brasil, tendo em vista que há uma relação de blindagem e parceria entre o governo Temer e essa categoria, embora há que se reconhecer que a capacidade de manutenção dos delegados vai além do espaço partidário.

Destarte, é necessário trazer à tona que o Brasil está localizado em um contexto de vulnerabilidade em termos de atividade de inteligência. Muito em consequência do atraso tecnológico em virtude do papel periférico do Brasil no capitalismo internacional, a atividade de inteligência no Brasil não tem condições de se defender diante do aparato dos sistemas informacionais norte-americanos.

Sem um satélite próprio, por exemplo, os sistemas de telecomunicações do Brasil estão vulneráveis às agências norte-americanas que, com facilidade, podem interceptar qualquer tipo de informação estratégica que seja divulgada através desse tipo de rede. Ademais, a facilidade dos agentes estrangeiros em penetrar no território brasileiro devido à fragilidade das fronteiras (consequência direta da fragilidade da atuação da Polícia Federal nesse sentido) e devido à facilidade de se corromper alguns setores públicos brasileiros são fatores determinantes que apontam para uma vulnerabilidade do Brasil. A Agência Brasileira de Inteligência é uma agência de inteligência que, ironicamente, tem que solicitar ao Departamento de Polícia Federal se quiser fazer uma interceptação telefônica, enquanto uma agência como a CIA consegue interceptar informações com uma facilidade muito grande, tanto através dos sistemas de telecomunicações quanto através da internet.

Diante desse quadro, pensar os acontecimentos políticos do Brasil é necessariamente pensar nessa relação de dependência e das contradições que dela resultam. Não há como buscar a construção de uma nova sociedade sem pensar na destruição dessas correntes que nos amarram ao capital internacional e nos tornam, cada dia mais, vítimas de um modelo excludente e explorador, que nos coloca na condição de “proletariado externo” (para trazer Darcy Ribeiro) e às nossas custas, explora outros tantos trabalhadores no mundo todo. A cada movimento que fazemos no sentido de saída dessa relação damos mais um passo em direção a um país que nos permita ser tudo que nós podemos ser.

Nos libertar de toda e qualquer forma de opressão é uma máxima necessária para que a construção de uma nova sociedade seja um horizonte possível diante das contradições irreparáveis dessa em que vivemos. Construir uma nova sociedade é um horizonte utópico apenas na medida em que já nos encontramos por demais cegos pela cortina de fumaça que o colonialismo intelectual e a exploração cotidiana a qual somos submetidos exaustivamente em todos os espaços. As amarras que nos prendem na dependência um dia irão se quebrar, e chegará o dia em que poderemos construir um novo Brasil, que seja de fato um país de todos nós, e não dos outros.

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