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Segunda, 26 Setembro 2016 19:00 Última modificação em Segunda, 26 Setembro 2016 20:05

II Festival Aldeia-SP: Um olhar de revolta no cinema indígena

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País: Brasil / Cultura/Música, Direitos nacionais e imperialismo / Fonte: Carta Maior

Com a proximidade do fim do ano se inicia a temporada de festivais de cinema no Brasil. Entre eles, a segunda edição do Aldeia SP-Bienal de Cinema Indígena a partir

do dia sete de outubro até o dia 12 é um dos mais interessantes. Apresenta 57 filmes realizados nos últimos seis anos pelas mulheres e por homens indígenas de várias regiões do país mostrando a intensidade, a força, a militância e a poesia desse novo cinema.

O antropólogo, cineasta e fotógrafo Pedro Portella é um dos curadores e o seu idealizador é Ailton Krenak, de 63 anos, da etnia Krenak, nascido no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, jornalista e ativista indígena dos direitos humanos.

Patrocinado pela Spcine, escritório municipal de desenvolvimento, financiamento e implementação de programas e políticas para cinema, TV, games e web, o apoio do certame é das secretarias municipais de Cultura e Educação. Os filmes serão exibidos no CCSP – Centro Cultural São Paulo e nos CEUs – Centros Educacionais Unificados.

Para quem tem memória histórica, Ailton Krenak em 1987, na Assembléia Constituinte, liderou a luta pelos princípios inscritos na Constituição do ano seguinte. Hoje, Krenak dirige o Centro de Cultura Indígena do qual é o fundador, e há 18 anos realiza o belo Festival de Danças e Culturas Indígenas da Serra do Cipó.

A abertura da mostra será às 16 horas, na Rua Vergueiro – CCSP- com a apresentação de um coral de crianças guaranis e uma roda de conversa com a participação de Krenak, do ex-ministro da Cultura Juca Ferreira, documentarista Vincent Carelli e ambientalista João Augusto Fortes.
Para Krenak, as produções cinematográficas dos indígenas são produto de ”um olhar que ainda não foi capturado pela caixa registradora, pelo mercado. Os índios não fabricam mercadoria, e isso dá a essa narrativa uma independência incomum.” Mesmo o Cinema Novo, o cinema independente, diz ele, sempre ficava com um olho num possível público.

“Os índios não fazem cinema para público; fazem para eles mesmos. Estão contando história. Por que os velhos costumam contar uma mesma história 30, 40 vezes? Repetem para eles mesmos não esquecerem. Contamos as nossas histórias para a gente não esquecer. Como diz Davi Yanomami, o pensamento do branco é cheio de esquecimento. A gente conta história para não ficar com nosso pensamento cheio de esquecimento.”

Para o líder indígena é difícil destacar alguns filmes que estão no Aldeia-SP. “Todos têm seu brilho; isso não é uma corrida de cavalo. Mas posso citar Tekowe Nhepyrun - A Origem da Alma, do Alberto Alvares, Urihi Haromatipë - Curadores da Terra-Floresta, do Morzaniel Iramari, e Iniciação dos Filhos dos Espíritos da Terra, do Isael Maxakali.

Na conversa de Krenak com Carta Maior, perguntamos: Com o golpe de estado de 31 de agosto quais os perigos que correm as conquistas de vocês a partir da Constituição de 88? O desmonte do estado atinge todas as áreas.

Resposta: ‘’Saímos de uma colônia para entrar pelos canos da República em finais do século XIX. Atravessamos o século XX levando tudo quanto é tipo de rasteira. E estamos vivos. O golpe, o nosso, começou há 500 anos. Tem 500 anos que nós só estamos levando golpe. Os índios são à prova de golpe. Pode vir; nós não estamos aqui de bobeira. Não vão acrescentar mais sofrimento à nossa vida do que nós já conhecemos. Quem vive comendo jiló não acha nada amargo. Se o povo indígena sempre foi assaltado e sacaneado, a diferença é ser assaltado subliminarmente o tempo inteiro ou ser assaltado publicamente, com campanhas públicas de arregimentar golpistas.’’
Sobre a demarcação das terras indígenas ele diz: “Ela devia ter sido concluída em 1995. Roubaram a gente no governo do Collor, no governo do Fernando Henrique, no governo do Lula, no governo da Dilma e agora parece que vão assaltar no governo do Temer, porque é um roubo monumental. Mas nós estamos aqui pra resistir.‘’

Sobre os indígenas realizadores de filmes ele comenta: ”Não tem indígena querendo virar cineasta. O sinônimo do que eles fazem é realização de um filme. Os colegas que antes fizeram coisas parecidas eram cineastas, e eles acabam ficando com esse apelido, mas não tem ninguém vestindo essa fardinha, achando que vai viver disso. A maior parte dessas pessoas caça, pesca, cria os filhos e também pode ter feito um filme, ou vir a fazer um filme. Ninguém vai viver de fazer filme.’’
E a que se deve a forte amostra de produção feminina indígena no ''cinema índio''? Qual o motivo dessa força que surge com tanto vigor?

Responde Pedro Portella: "Só das etnias indígenas do rio Negro saíram onze filmes, sobretudo de realizadoras indígenas como a Baniwa Elisangela Fontes Olímpio, com seu documentário mítico intitulado Nora Malcriada, e a Tukana Larissa Ye'padiho Mota Duarte, que estará presente na mostra apresentando o filme autobiográfico Wehsé Darasé - Trabalho da Roça. E a Tariana Maria Claudia Dias Campos, com o belo e intimista As Manivas de Basebó - Histórias e Tradições, e o sensível Não Gosta de Fazer mas Gosta de Comer, da Tukana Maria Cidilene Basílio em parceria com a Baré Alcilane Melgueiro Brazão. Elas afirmaram e documentaram a prática sobretudo feminina tão importante que vemos em quase toda Amazônia: as casas de farinha*, que alimentam os povos indígenas desde sempre."

Para o outro curador do Aldeia-SP, o cineasta e produtor Rodrigo Arajeju, autor do filme Índios no Poder, as mulheres indígenas ocupam maior espaço no cinema porque ‘’sua afirmação de independência cresceu nas aldeias e o seu protagonismo no movimento indígena já se tornou marcante.”

Os realizadores dos 57 filmes que integram a mostra têm, sem exceção, origem indígena. "É gente que vem numa plataforma ancestral chamada cinema de índio, com as visões do ayahuasca, outras visões”, explica Aílton. "Os caras estão acostumados a ver outro tipo de cinema, um cinema transcendental. É gente acostumada com imagens que não são controladas. Eles se relacionam com imagens descontroladas. É uma revolta do olhar."

-Como assim, revolta?

Krenak explica: "A imagem já está pastel demais. Hollywood pasteurizou a imagem. Nós queremos despasteurizar. Estamos fazendo uma espécie de revolução do olhar. É mais uma revolta do olhar que uma revolução. É um olhar que não aguenta mais a mesmice."

E com o seu senso de humor: "Nós não estamos fabricando pastel, como dizia o cineasta Luis Buñuel. Não vamos entregar pastel, que tem que ser rapidinho, comer enquanto está quente. São filmes que você pode ver daqui a 500 anos, porque afinal de contas eles vão falar sobre um assalto que aconteceu há 500 anos."

A seleção do Aldeia-SP inclui filmes de protesto, outros sobre retomadas de terras tradicionais e há também o cine-roça, o cine-xamanismo, e videoclipes, programas televisivos e animações.

Atenção para o Aldeia-SP. É um dos programas mais atraentes do mês de outubro. Mostra um Brasil dinâmico, com as lutas contínuas de suas minorias, a sua resistência e sua coragem. Um país que está vivo e pelo qual vale à pena lutar.

**Casa de farinha ou casa de forno é o local onde os indígenas produzem os produtos derivados da mandioca e da pimenta. A base da alimentação dos povos amazônicos é produzida nesses locais.
*Jornalista

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