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Diário Liberdade
Domingo, 05 Fevereiro 2017 17:49 Última modificação em Quinta, 09 Fevereiro 2017 16:44

Os clássicos e o imperialismo: que actualidade? Destaque

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/ Laboral/Economia, Batalha de ideias / Fonte: Francisco Martins Rodrigues

É necessário entender o capitalismo contemporâneo com a cabeça aberta, sem os dogmas e estereótipos que geralmente marcam as pessoas que não gostam de encarar o novo.

Lenine teve a coragem e a grandeza de verificar que a época imperialista diferia do capitalismo concorrencial descrito por Marx. Portanto, merecia não só um novo diagnóstico, mas uma nova teoria para que se pudesse compreender a época dos monopólios. Tanto Marx como Lenine escreveram sobre o seu tempo; não tinham obrigação nem estavam interessados em adivinhar o futuro. Mas o lastro no qual desenvolveram as suas teorias, o método dialéctico, é uma fonte fértil para que os marxistas da nossa época dêem prosseguimento à sua obra teórica. O objectivo deste artigo é continuar o debate sobre estas novas questões e procurar indicar alguns traços fundamentais da nossa época.

Elegendo a obra de Lenine, O imperialismo, estádio supremo do capitalismo, como síntese paradigmática da interpretação do imperialismo oriundo da segunda revolução industrial, procuraremos analisar os eixos fundamentais daquela obra para aferir se ainda possui aderência à realidade actual.

Lenine definiu cinco traços fundamentais que caracterizavam a nova fase do capitalismo:

1) a concentração da produção e do capital e o aparecimento dos monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida económica;

2) a fusão do capital industrial com o capital bancário e o aparecimento da oligarquia financeira;

3) a exportação de capitais, ao contrário da exportação de mercadorias;

4) a formação das associações monopolistas que partilham economicamente o mundo entre si;

5) a partilha territorial do mundo entre as potências mais importantes. Lenine considerava ainda que o imperialismo não era uma nova formação socioeconómica, mas a fase superior do capitalismo, em que se aguçariam todas as contradições do capital. Nesse sentido, Lenine afirmava que esta fase seria marcada pelo capitalismo parasitário, em decomposição e agonizante, a antecâmara do socialismo. Vejamos como se apresenta cada uma dessas características no mundo actual.

A concentração da produção e do capital continuam a sua marcha histórica, como Marx já havia identificado anteriormente, baseado na própria lógica da acumulação. No entanto, o que distingue a época actual do período de Lenine é que as corporações transnacionais passaram a extrair directamente, e de maneira generalizada, o valor fora das suas fronteiras nacionais, tornando-se exploradoras directas tanto no centro como na periferia capitalista, ao contrário do que acontecia anteriormente quando se apropriavam da mais-valia mediante a exportação de mercadorias ou a exportação de capitais.

Isso poderá redefinir uma nova partilha económica do mundo, possivelmente em função da área de influência da Tríade a partir das suas regiões de origem, e dar um carácter novo à luta pela hegemonia entre os blocos do grande capital.

Por outras palavras, diante dos novos fenómenos oriundos da globalização, impôs-se novamente a necessidade de uma remonopolização global, de forma a que o grande capital pudesse unificar novamente a sua estratégia, não só para se reorganizar diante da globalização para impor uma nova disciplina ao mundo do trabalho, mas principalmente para contrariar a tendência decrescente da taxa de lucro que caracterizava a conjuntura após a segunda guerra mundial. Ou seja, a qualidade desse processo não é movida simplesmente por uma nova fusão do capital bancário com o capital industrial, mas por uma configuração inteiramente nova, que envolve praticamente todas as fases do ciclo do capital.

A exportação de capitais hoje difere significativamente do período da segunda revolução industrial e mesmo do período de ouro do Welfare State. No período inicial do imperialismo, a exportação de capitais era destinada à construção de estradas de ferro, minas, portos e outros equipamentos de infraestrutura, sem que houvesse grandes investimentos na área fabril, até mesmo porque não era interessante para os países líderes desse processo a industrialização da periferia. Isso pode ser constatado pelo facto de que apenas alguns desses países conseguiram realizar a sua industrialização, ainda que tardiamente. Somente com a internacionalização da produção é que os capitais migraram para a construção de fábricas em alguns países da periferia, mas aí já se tratava de um processo novo, onde a internacionalização da produção conduzia a burguesia a extrair o valor directamente nestas regiões.

Ouro aspecto que chama a atenção na exportação de capital actual é o facto de que cerca de 80% do investimento directo estrangeiro não está direccionado aos países da periferia, mas aos países centrais, ressaltando-se ainda que vem decrescendo a participação dos países periféricos neste tipo de investimento. Se a exportação de capital se está desenvolvendo centralmente entre os próprios países imperialistas, a relação de subordinação e de trocas desiguais deve ter uma nova leitura, e não ficar restrita à tradicional subordinação entre os países imperialistas do passado e as suas colónias ou nações satélites. É bem verdade que a subordinação é a lógica da relação centro-periferia, mas o montante de recursos dessas operações direcciona o centro do fenómeno para outras regiões e não para a periferia.

No entanto, o aspecto mais importante das exportações de capitais hoje é que não se verifica na esfera produtiva, mas essencialmente na área financeira. A partir do final dos anos 60, constata-se crescentemente a privatização da liquidez internacional, ao contrário do período anterior, quando a maioria dos empréstimos era oriunda de entidades financeiras internacionais. Essa privatização foi fruto de um movimento do capital norte-americano no sentido de ultrapassar as leis restritivas a saídas de capitais do País. Para tanto, os bancos começaram a criar títulos com valor em dólar americano, mas emitidos fora dos EUA, mecanismo que foi crescendo como uma bola de neve e formando um peculiar mercado de moedas, que posteriormente transformaria a Europa e, especialmente, Londres, no principal centro financiador das actividades mundiais.

A internacionalização do capital bancário consolidou-se com a criação dos consórcios internacionais e das agências insulares nos paraísos fiscais. Este conjunto de factores provocou uma verdadeira explosão dos negócios bancários, que o aumento dos preços do petróleo praticados pela OPEP fez crescer exponencialmente. Os bancos, já experientes neste tipo de serviço, iniciaram uma extraordinária reciclagem dos petrodólares, ampliando de maneira acentuada os empréstimos para o terceiro mundo. O Mercado de eurodólares começou a descobrir que era mais vantajoso emprestar para nações do que para empresas e assim transformou-se no principal financiador das operações da dívida externa desses países, gerando um débito gigantesco e aprisionando essas nações nas malhas dos interesses bancários desregulados.

É importante ressaltar que, com o mercado de eurodólares, se processa uma mudança profunda na exportação de capitais, que viria a consolidar-se com a desregulamentação dos governos Reagan-Thatcher. Para ampliar os seus lucros a oligarquia financeira mudou o seu centro de gravidade, reduzindo os investimentos directos em função do capital de empréstimos, o que amplia o carácter parasitário do imperialismo. Se o centro de gravidade da exportação de capitais já estava alterado com a formação da dívida externa dos países da periferia, a desregulamentação veio intensificar de maneira extraordinária esse processo, que hoje se constitui de mera especulação com o dinheiro.

Outro dado novo na exportação de capitais é o facto de que as instituições multilaterais, formadas na Conferência de Bretton Woods, romperam com os seus estatutos originários e transformaram-se pura e simplesmente em instrumentos do neoliberalismo, apoiando o frenesim financeiro em curso no mundo e impondo políticas destrutivas nos países da periferia. Desde a crise da dívida externa, a partir de 1982 com a moratória mexicana, que o Banco Mundial e, principalmente, o Fundo Monetário Internacional se transformaram numa espécie de Comité Político-Financeiro do bloco de forças sociais que passaram a hegemonizar a economia mundial e que têm na especulação financeira o centro da sua actividade económica.

A partilha económica e territorial do mundo também se desenvolve de maneira bastante diferenciada do período inicial do imperialismo. No que se refere à territorialidade, há uma tentativa desesperada dos Estados Unidos no sentido de se transformarem numa potência hegemónica incontestável e, a partir desta posição, tirarem o máximo proveito da nova ordem económica internacional e realizar uma recolonização sofisticada dos países da periferia, onde o aspecto central seria o controlo absoluto destas economias, se possível com a instituição da dolarização generalizada.

Ainda em relação à partilha territorial, está em curso, com uma série de problemas, a formação dos blocos económicos nas principais regiões económicas do mundo. Estes blocos reflectem, por um lado, os problemas e contradições da luta interburguesa, e por outro, uma surda luta de resistência contra a tentativa norte-americana de construir uma ordem unipolar.

Do ponto de vista económico, a partilha definitiva também será resultado da luta surda pela hegemonia em curso nos países centrais. Mas o processo intenso de megafusões e incorporações que vem sendo realizada, especialmente na década de 90, indica uma remonopolização da burguesia e a tentativa de cosmopolitização, se não plena, pelo menos regional. A configuração do controle dos mercados, tanto no que diz respeito ao investimento produtivo quanto financeiro, vai depender não só do sucesso da globalização produtiva, mas principalmente do resultado do processo de financiarização da riqueza imposto pelo bloco de forças no poder nos países centrais e da periferia.

Finalmente, a tendência à decomposição e ao parasitismo, identificado por Lenine como sendo uma das características da oligarquia financeira mantém a sua essência, mas foi aprofundada de maneira extraordinária e revela aspectos novos e relevantes. A oligarquia financeira ampliou o seu parasitismo e muitos Estados imperialistas transformaram-se em nações ‘rentistas’, o que lhes permite ampliar o poder regulador e orientador dessa nova fase do capital. A transferência de recursos dos países da periferia para os países centrais nas duas últimas décadas, por conta principalmente dos mecanismos financeiros impostos pela nova elite no poder, pode ser considerada muito maior que toda a extorsão realizada no período colonial, o que por si só dá uma dimensão do ‘rentismo’ institucionalizado na nossa época.

Como se sabe, a financiarização da riqueza ou o rentismo institucionalizado é uma expressão degenerada da acumulação de capitais e demonstra um aprofundamento sem precedentes do parasitismo da nova burguesia. A “valorização” da riqueza pela via financeira cria uma contradição entre a velocidade de expansão da esfera financeira, o crescimento do sector produtivo e o poder aquisitivo das massas, tornando assim a defesa da riqueza por esta via uma aventura sem futuro, pois haverá inevitavelmente um momento de ruptura desse processo para compatibilizá-lo com a economia real, o que deverá ter consequências dramáticas tanto para especuladores como para a ordem económica capitalista.

Dilemas e perspectivas

O capitalismo, ao contrário do que imaginavam os clássicos e os revolucionários de todo o mundo, não foi à bancarrota. Pelo contrário, no final do século XX conseguiu demonstrar ainda uma enorme vitalidade, não só na implosão das primeiras experiências “socialistas”, mas também ao realizar uma reestruturação produtiva e uma nova configuração financeira, que vêm produzindo uma mudança de qualidade neste velho modo de produção.

No entanto, o ciclo de euforia dos capitalistas que se abriu na década de 90 está a esgotar-se, pois o núcleo central da sua ideologia, o neoliberalismo, está cada vez mais intensamente a ser contestado não só por expressivos sectores da população, mas até por segmentos burgueses que antes o apoiavam entusiasticamente. O produto social destas duas décadas, pela sua agressividade contra o movimento operário, pela sua arrogância contra os valores humanos e sociais, pela imensa concentração de rendimento e ampliação da barbárie social, tornou mais aberta e mais clara a luta de classes.

Objectivamente, o sistema capitalista está potencialmente mais fraco que no período do imperialismo clássico. As modificações que o sistema sofreu nesta nova fase aprofundaram todas as suas contradições, podendo afirmar-se que hoje estamos muito mais próximos do socialismo, em termos gerais, do que no período em que Lenine escreveu O Imperialismo. A globalização produtiva, com o seu imenso potencial, tende à crise pela sobreprodução de mercadorias, oriunda da superacumulação de capitais. Caso os capitalistas da área produtiva queiram regular a produção, desviando recursos para a esfera financeira, e assim evitando a sobreprodução, não poderão desvencilhar-se da armadilha das contradições, uma vez que a fuga para frente na esfera financeira, apenas incrementará a crise nesta área. Por qualquer dos ângulos que se possa observar a economia contemporânea, há uma perspectiva de crise em larga escala. Isso não significa que o capitalismo está no fim, mas indica que o volume de contradições é tão grande que a crise poderá originar uma situação revolucionária.

Estes momentos históricos de transição são pródigos de acontecimentos inesperados, tanto no campo social como no político. Ora, numa situação dessa ordem, a tendência principal é a de que, quanto maior for a crise, maiores possibilidades terão as classes trabalhadoras para disputar a hegemonia com a burguesia. A reestruturação produtiva está a criar uma classe operária mais moderna, mais especializada e com muito mais iniciativa no interior das fábricas. Esta classe será a vanguarda da luta pelas transformações sociais, não só pelo seu papel no interior da produção, mas porque a nova conjuntura necessitará de sujeitos políticos mais preparados e com peso suficiente para desferir golpes decisivos nos inimigos de classe.

Além disso, a diversidade de formas de exploração, a agressividade social do capitalismo e a desmoralização das suas instituições seculares podem abrir possibilidades para que as classes trabalhadoras encaminhem as suas lutas de forma diferente. Um dos factores que mais se destaca nesta nossa época é a clara limitação das lutas institucionais. Afinal, não se pode combater esta nova fase do imperialismo com as armas da fase anterior. A via institucional, como caminho privilegiado para as mudanças, está esgotada. Privilegiar apenas esse caminho significa optar pela frustração periódica, pois a cada embate político, como no caso das eleições, a burguesia utilizará todo o seu poder económico, bem como os métodos de manipulação para impor os seus interesses, restando às forças populares apenas a lamentação e a perplexidade.

Em síntese, apesar da derrota da primeira experiência de socialismo, o sistema capitalista não se transformou num referencial para a humanidade, nem destruiu a possibilidade de construção de uma sociedade sem classes. Há a possibilidade real de que a crise oriunda do fracasso do neoliberalismo abra uma nova situação revolucionária, onde a questão do socialismo reapareça como uma vitalidade bem maior da que ocorreu com o aparecimento dos monopólios, só que agora livre das deformações e dos desvios que ocorreram no recente passado socialista.

Além disso, por mais paradoxal que pareça, a reestruturação produtiva está a construir as bases para uma sociedade da abundância, uma vez que o desenvolvimento das forças produtivas aumentará de maneira extraordinária a produtividade do trabalho. No entanto, como todos sabemos, o sistema capitalista não tem nenhum compromisso com o progresso social e, portanto, não será capaz de satisfazer as necessidades materiais da população. Será preciso destruí-lo!

Mesmo assim, essas forças produtivas proporcionam os elementos objectivos para a sociedade da abundância de bens e serviços. No caso de essas transformações estruturais do capitalismo coincidirem com uma crise mundial do sistema, temos as bases materiais para a construção da sociedade comunista.

Daí a urgência de nos dotarmos de um programa, duma táctica e duma estratégia revolucionárias, no sentido de darmos corpo a uma vanguarda operária comunista, que – quando as condições objectivas o permitirem – se lance ao assalto do poder, destrua o aparelho de Estado burguês, instaurando em seu lugar a ditadura do proletariado, mil vezes mais democrática que a mais democrática das repúblicas burguesas.

Estamos apenas a começar, mas é precisar dar esse passo!

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