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Diário Liberdade
Domingo, 29 Outubro 2017 12:42 Última modificação em Quarta, 01 Novembro 2017 16:21

Aceleracionismo marxista

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/ Batalha de ideias / Fonte: MSL

[Gabriel Brasileiro] O aceleracionismo marxista -- uma vertente que pode ser enquadrada no marxismo/socialismo libertário devido à sua preconização à descentralização -- é um resgate do princípio de que alguma evolução do livre-mercado é necessária para que haja o desenvolvimento contínuo das forças produtivas, a fim de que seja possível emergir da livre-concorrência as condições que possibilitarão sua abolição em prol da nova sociedade comunista, tal como destacava Marx:

"Observemos que a concorrência torna-se progressivamente mais destrutiva para as relações burguesas à medida que estimula uma criação febril de novas forças produtivas, isto é, das condições materiais de uma sociedade nova. Sob esse aspecto, pelo menos, o lado mau da concorrência possuiria algo bom."

Ou seja, segundo Marx, a liberdade de comércio era um fator apressador da revolução:

"Numa palavra, o sistema da liberdade de comércio apressa a revolução social. É somente neste sentido revolucionário, senhores, que eu voto em favor do livre-câmbio."

Esse sentido revolucionário é aquele que pretende criar o estágio mais elevado da sociedade comunista. Aquele onde os produtores em plena cooperação e apartados do servilismo assalariado produziriam para si próprios sob uma condição socializada que substituiria a necessidade da troca através de um sistema de preços pelo acesso imediato do trabalhador à produção social:

"No interior da sociedade cooperativa, fundada na propriedade comum dos meios de produção, os produtores não trocam seus produtos; do mesmo modo, o trabalho transformado em produto não aparece aqui como valor desses produtos, como uma qualidade material que ele possuem, pois agora, em oposição à sociedade capitalista, os trabalhos individuais existem não mais como um desvio, mas imediatamente como parte integrante do trabalho total."

Contudo, Marx reconhece as dificuldades iniciais que a sociedade comunista teria quanto à abolição integral do formato burguês de troca -- o mercado --, devido a distorções inevitáveis herdadas do sistema capitalista. Apesar disso, Marx não desiste do ideal. Concluindo que a fase superior do comunismo, na qual o horizonte jurídico burguês teria sido totalmente superado, só seria alcançado quando o desenvolvimento das forças produtivas e a abundância das fontes de riqueza eliminassem o trabalho alienado e o sistema de troca capitalista, i.e, livre-mercado e o seu sistema de preços:

"Numa fase superior da sociedade comunista, quando tiver sido eliminada a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, a oposição entre trabalho intelectual e manual; quando o trabalho tiver deixado de ser mero meio de vida e tiver se tornado a primeira necessidade vital; quando, juntamente com o desenvolvimento multifacetado dos indivíduos, suas forças produtivas também tiverem crescido e todas as fontes de riqueza coletiva jorrarem em abundância, apenas então o estreito horizonte jurídico burguês poderá ser plenamente superado."

Embora Marx, nessa passagem do Crítica ao Programa de Gotha, tenha deixado em aberto como ocorreria essa eliminação, tal questão já havia sido tratada nos escritos do Grundrisse. Onde ele expõe sua crença de que as condições para que o livre-mercado chegasse ao fim seriam criadas pelas próprias indústrias capitalistas em escala surgidas dentro do próprio sistema de concorrência. As quais se valeriam de processos automatizados que fariam do trabalho assalariado progressivamente desnecessário. Sendo este potencial algo a ser aproveitado pela sociedade comunista em favor da abolição do trabalho alienado. O que, por sua vez, faria os valores de trocas sumirem devido à eliminação da sua medida, o trabalho:

"O trabalho não parece mais ser incluído no processo de produção; em vez disso, o ser humano vem se relacionando mais como vigia e regulador no processo de produção [...] Nesta transformação, ele não exerce o trabalho humano direto que ele próprio executaria, nem tem tomado o tempo do qual despojaria durante o trabalho [...] O roubo alienígena do tempo de trabalho, no qual se baseia a riqueza atual, parece ser um fundamento miserável diante desse novo modelo, criado pela própria indústria em grande escala. Assim que o trabalho na forma direta deixar de ser a grande fonte da riqueza, o tempo de trabalho cessa e deve deixar de ser sua medida e, portanto, o valor de troca [deve deixar de ser a medida] do valor de uso. O excesso de trabalho da massa deixou de ser a condição para o desenvolvimento da riqueza geral, assim como o não-trabalho de poucos para o desenvolvimento dos poderes gerais dos cabeças da humanidade. Com isso, a produção baseada no valor cambial quebra e o processo de produção direta e material é privado da miséria. Havendo, portanto, o desenvolvimento gratuito das individualidades através de não, porém, da redução do tempo de trabalho necessário da mão-de-obra excedente, mas sim a redução geral do trabalho necessário da sociedade ao mínimo, o que então corresponde ao desenvolvimento artístico, científico, etc. Indivíduos com tempo livre e com os meios de produção para todos eles.”

Nesse ideal, a anarquia de mercado teria sido substituída por um sistema de conexão direta entre os indivíduos e os meios de produção plenamente automatizados, sem o intermédio de trabalho humano e de um sistema de preços. No entanto, voltando a atenção para as distorções iniciais da sociedade comunista, também se percebe, como já exposto anteriormente, que Marx reconhecia que haveria algum momento de transição no qual o comunismo ainda se veria “influenciado pela propriedade privada, isto é, pela alienação do homem”. Logo, os momentos iniciais do comunismo apresentam um hibridismo entre o capitalismo e o novo modo de produção que o sucede, o qual Marx via se realizar na ascensão das cooperativas:

“Mas o futuro nos reserva uma vitória ainda maior da economia política dos proprietários. Referimo‐nos ao movimento cooperativo, principalmente às fábricas cooperativas levantadas pelos esforços desajudados de alguns “hands” [operários] audazes[...]. Pela ação, ao invés de por palavras, demonstram que a produção em larga escala e de acordo com os preceitos da ciência moderna pode ser realizada sem a existência de uma classe de patrões que utiliza o trabalho da classe dos assalariados [...]”

Ou ainda de forma mais expressa:

"[...] as cooperativas industriais dos trabalhadores devem ser consideradas formas de transição entre o modo de produção capitalista e o modo de produção associado [...]"

Nota-se que chamava a atenção de Marx a produção em larga escala sob preceitos da ciência modernas que as cooperativas possibilitavam; estas que, segundo ele, são o que possibilitaria em última instância a automatização dos meios de produção seguida da consequente conquista do comunismo. Sendo tal potencial das cooperativas assinalado expressamente por Marx:

“Se a produção cooperativa for algo mais que uma impostura e um ardil; se há de substituir o sistema capitalista; se as sociedades cooperativas unidas regularem a produção nacional segundo um plano comum, tornando‐a sob seu controle e pondo fim à anarquia constante e às convulsões periódicas, conseqüências inevitáveis da produção capitalista – será isso, cavalheiros, senão comunismo, comunismo”

Em razão disso, a proposta aceleracionista se mantém. Pois, em conformidade aos escritos de Marx, é perfeitamente possível idealizar um estágio inicial da sociedade comunista em que, objetivando-se desenvolver as condições tecnológicas que possibilitarão a fase final do comunismo, é instaurada um macro-sistema de livre-concorrência entre livres produtores organizados em cooperativas. Agindo segundo uma cultura comunitária que evitasse qualquer mazela típica da concorrência capitalista e sob o desprezo às hierarquias e à desunião. É a fase incompleta do comunismo que, apresentando a inevitável herança da propriedade privada, deve buscar o aperfeiçoamento com o objetivo de superar a própria necessidade de concorrência e de seus monopólios e crises.

Bibliografia:
1. Karl Marx, Sobre a Questão do Livre-Câmbio
2. Karl Marx, Miséria da Filosofia
3. Karl Marx, Crítica ao Programa de Gotha
4. Karl Marx, Grundrisse, Notebook VII
5. Karl Marx, O Capital
6. Karl Marx, Primeiro Congresso da AssociaçãoInternacional dos Trabalhadores, Manifesto

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