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Diário Liberdade
Terça, 11 Junho 2019 00:50 Última modificação em Domingo, 08 Setembro 2019 22:45

Losurdo sobre Tiananmen, há 10 anos: "Tiananmen 20 anos depois"

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País: China / Comunicaçom / Fonte: O Diário

Uma vez que a cada década os media dominantes repetem as mesmas falsidades sobre os acontecimentos da Praça Tiananmen, faz também sentido republicar este texto de 2009 de Domenico Losurdo. Recorrendo apenas a fontes ocidentais, revela com clareza quer a realidade dos acontecimentos quer os interesses exteriores por detrás do seu desencadeamento.

Tiananmen 20 anos depois

[Domenico Losurdo] Por estes dias, a grande imprensa de “informação” aplica-se a recordar o vigésimo aniversário do “massacre” da Praça Tiananmen. As “comovidas” evocações dos acontecimentos, as entrevistas com “dissidentes” e os editoriais “indignados”, os múltiplos artigos que se sucedem e se preparam visam cobrir a República Popular da China de infâmia perpétua, e prestar um tributo solene à superior civilização do Ocidente liberal.

Mas o que é que realmente aconteceu há vinte anos?

Em 2001 foram publicadas, e traduzidas depois nas principais línguas do mundo, aquilo a que se chamou os Tienanmen Papers que, a acreditar nas declarações dos que os apresentavam, reproduziam relatórios secretos a das actas reservadas dos processos de instrução e do processo decisório que levou à repressão do movimento de contestação. Um livro que, sempre segundo as intenções dos seus promotores e editores, deveria mostrar a extrema brutalidade de uma direcção (comunista) que não hesita em reprimir um protesto “pacífico” com um banho de sangue. Salvo se de uma leitura cuidadosa do livro em questão não acaba por emergir uma imagem muito diferente da tragédia que teve lugar em Pequim entre Maio e Junho de 1989.

Leiamos algumas páginas aqui e ali:

Mais de quinhentos camiões do exército foram queimados ao mesmo tempo em dezenas de cruzamentos [...] Na avenida Chang’an um camião do exército parou por causa de um problema de motor e duzentos revoltosos atacaram o motorista, espancando-o até a morte [...] No cruzamento Cuiwei, um camião que transportava seis soldados abrandou a velocidade para evitar atingir a multidão. Um grupo de manifestantes começou então atirar pedras, cocktails Molotov e tochas contra ele, que a certa altura começou a inclinar-se para a esquerda porque um dos seus pneus fora perfurado por pregos que os revoltosos tinham espalhado. Os manifestantes lançaram então atearam fogo a objectos que lançaram contra o veículo, cujo tanque explodiu. Os seis soldados morreram todos nas chamas.

Não apenas houve recurso à violência como são por vezes surpreendentes algumas das armas utilizadas:

Um fumo verde-amarelo sobe de repente na extremidade de uma ponte. Provém de um veículo blindado danificado que se tornara ele próprio parte do bloqueio rodoviário [...] Os blindados e os carros de assalto que tinham vindo desobstruir a via não puderam fazer outra coisa senão encontrar-se em fila à cabeça da ponte. De repente, um jovem chega a correr, lança qualquer coisa sobre um veículo blindado e foge. Alguns segundos depois vê-se sair do veículo o mesmo fumo verde-amarelo, enquanto os soldados se arrastam para fora, se deitam no chão da estrada e se agarram à garganta em agonia. Alguém disse que tinham inalado gases tóxicos. Mas os oficiais e soldados, apesar da raiva que sentiam, conseguiram manter o controlo de si mesmos.

Estes actos de guerra, com repetido recurso a armas proibidas pelas convenções internacionais, cruzam com iniciativas que nos deixam ainda mais perplexos: como a “contrafactura da reportagem do “Diário do Povo”.

No lado oposto, vejamos as directrizes dadas pelos dirigentes do Partido Comunista e do governo chinês às forças militares encarregadas da repressão:

Se viesse a acontecesse que as tropas sofressem golpes e ferimentos até à morte da parte das massas obscurantistas, ou se fossem atacadas por elementos fora-da-lei com barras de ferro, pedras ou cocktails Molotov, deveriam manter o controlo e defender-se sem utilizar as armas. Os bastões serão as suas armas de autodefesa e as tropas não devem abrir fogo contra as massas. As transgressões serão imediatamente punidas.

Se devemos acreditar na imagem traçada num livro publicado e promovido pelo Ocidente, aqueles que demonstram cautela e moderação não são os manifestantes, mas antes o Exército Popular de Libertação!

O carácter armado da revolta torna-se mais evidente nos dias seguintes. Um dirigente de primeiro plano do Partido Comunista vai chamar a atenção para um facto extremamente alarmante: “Os insurgentes capturaram blindados e montaram neles metralhadoras, com o único propósito de as exibir.” Limitar-se-ão a uma exibiição ameaçadora? No entanto, as diretrizes transmitidas pelo exército não sofrem alteração substancial: “O Comando da lei marcial faz questão de que seja claro para todas as unidades que é necessário não abrir fogo senão em última instância “.

Mesmo o episódio do jovem manifestante que bloqueou um tanque com seu corpo, celebrada no Ocidente como um símbolo de heroísmo não-violento em luta contra uma violência cega e indiscriminada, é entendido pelos dirigentes chineses, sempre confiando no livro muitas vezes citado, numa grelha de leitura bem diversa e oposta:
«Todos vimos as imagens do jovem que bloqueia o tanque. O nosso veículo cedeu numerosas vezes a via, mas o jovem ficava sempre no meio da estrada, e mesmo quando tentou subir para o carro, os soldados contiveram-se e não dispararam sobre ele. O que diz muito! Se os militares tivessem feito fogo, as repercussões teriam sido muito diferentes. Os nossos soldados seguiram na perfeição as ordens do Partido central. É espantoso que tenham conseguido manter a calma numa tal situação!

O recurso por parte dos manifestantes a gases asfixiantes ou tóxicos e, sobretudo, a edição pirata do “Diário do Povo” demonstram claramente que os incidentes da Praça de Tiananmen não são um assunto exclusivamente interno da China. Outros detalhes emergem do livro celebrado no Ocidente: ‘’ Voice of America” teve um papel nada glorioso na sua forma de lançar gasolina na fogueira”; de forma incessante, “espalha notícias sem fundamento e impele às desordens”. E mais: “Da América, da Grã-Bretanha e de Hong Kong chegaram mais de um milhão de dólares de Hong Kong. Uma parte dos fundos foi utilizada para a compra de tendas, alimentos, computadores, impressoras rápidas e sofisticados equipamentos de comunicação.»

O que visavam o Ocidente e os Estados Unidos podemos deduzi-lo de outro livro, escrito por dois autores norte-americanos orgulhosamente anticomunistas. Lembram como naquele período Winston Lord, ex-embaixador em Pequim e conselheiro de primeira linha do futuro presidente Clinton, não cessava de repetir que a queda do regime comunista na China era “uma questão de semanas ou meses “. Esta previsão parecia tanto mais fundada quanto vinha destacando no topo do governo e do Partido a figura de Zhao Ziyang, que - sublinham ambos os autores estado-unidenses – deve ser considerado “provavelmente como o líder chinês mais pró-americano de história recente.»

Por estes dias, numa entrevista com o “Financial Times”, o ex-secretário de Zhao Ziyang, Bao Tong, em prisão domiciliar em Pequim, parece lamentar o golpe de Estado fracassado ao qual aspiravam personalidades e círculos importantes na China e nos EUA, em 1989, enquanto o “socialismo real” se desmoronava: infelizmente, “nenhum soldado prestou atenção a Zhao”; os soldados “ouviam os seus oficiais, os oficiais os seus generais e os generais ouviam Den Xiaoping”.

Vistos retrospectivamente, os acontecimento que se verificaram há vinte anos na Praça Tiananmen surgem como um golpe falhado e uma tentativa fracassada de instaurar um Império mundial pronto a desafiar os séculos ...

Em breve haverá outro aniversário. Em Dezembro de 1989, sem sequer ser precedido por uma declaração de guerra, bombardeiros norte-americanos foram lançados sobre o Panamá e a sua capital. Como resulta da reconstrução de um autor - mais uma vez – estado-unidense, quarteirões densamente povoados foram surpreendidos em plena noite pelas bombas e as chamas; na sua maior parte foram “civis, pobres e de pele escura” que perderam as suas vidas; mais de 15.000 pessoas ficaram sem tecto; trata-se, em qualquer caso, do “episódio mais sangrento” da história do pequeno país. Pode facilmente prever-se que os jornais envolvidos em divulgar as suas lágrimas sobre a Praça Tiananmen vão voar bem acima do aniversário do Panamá, tal como tem aliás acontecido todos os últimos anos. Os grandes órgãos de “informação” são os grandes órgãos de seleção de informação e de orientação e de controlo da memória.

Fonte:https://www.investigaction.net/fr/tienanmen-20-ans-apres-texte-de-losurdo-paru-en-2009/

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