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Diário Liberdade
Sábado, 27 Agosto 2016 00:25 Última modificação em Sexta, 26 Agosto 2016 23:25

"Burquini": desde quando a repressão do Estado nos dará liberdade?

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País: França / Mulher e LGBT / Fonte: Esquerda Diário
É certo que a grande maioria das afirmações e posições a favor da proibição do burquini nas praias tem sido justificada vergonhosamente, utilizando como desculpa o Estado de Emergência e a luta contra o terrorismo, ligando assim a religião muçulmana ao terrorismo em um contexto em que a islamofobia está aumentando; outra parte dos que defendem esta proibição está baseada em argumentos de origem feminista.

A proibição do burquini será, segundo estes argumentos, uma maneira de lutar pelos direitos da mulheres, e em consequência, pelo direito a mandar sobre seus próprios corpos, pelo direito a se vestir com elas desejam e se livrar da dominação patriarcal exercida por seus pais, seus maridos, seus irmãos. Essas questões revivem os debates que tiveram espaço durante a aplicação da lei contra o uso do véu nas escolas em 2004, que dividiu e ainda divide o movimento feminista na França.

Podemos realmente lutar pelo direito das mulheres de mandar em seus corpos com uma proibição? Podemos lutar contra as normas impostas pelas instituições religiosas utilizando como ferramenta a repressão exercida pelo Estado?

Os corpos das mulheres, a religião e o Estado

Em 2004, durante a aplicação da lei contra o uso de véu nas escolas, uma parte do movimento feminista se declarou a favor desta nova reforma. Com o debate sobre a prostituição, se produziu uma grande linha de fragmentação tem ocupado lugar no movimento de mulheres nos últimos anos. Neste momento, sob o governo de Raffarin, sendo Sarkozy ministro do interior, a lógica (o planejamento) da luta antiterrorista estava muito menos avançada do que atualmente, o que não quer dizer que desde 2004, já utilizavam como argumento contra o véu a segurança cidadã (quem sabe o que podiam esconder ’essas mulheres’ em baixo do véu...) Para uma parte do movimento feminista, esta lei permitia lutar contra a religião, contra todas as religiões, essas que nos impuseram e ainda nos impõe um determinados papéis, a roupa e posições reservadas às mulheres. Por isso, para alguns proibir o véu nas escolas era uma forma de permitir às jovens mulheres livrarem-se de todas essas normas, ao menos durante sua passagem pelas escolas.

Como marxistas revolucionários, materialistas e ateus, somos críticos à religião, concretamente com as instituições e as normas religiosas: porque nós consideramos que a batalha se trava na terra e não no céu, e que nenhuma força superior pode ditar-nos nossa maneira de atuar ou de pensar, no debate que hoje nos ocupa vemos claro o fato de que as normas e as instituições religiosas tem se apoiado no patriarcado para reforçar as cadeias que nos aprisionam. E seja na religião católica ou na religião muçulmana (para colocar dois exemplos, e mais ainda quando se trata das correntes mais extremistas) o lugar das mulheres foi e é o lar, submissa a seus pais, irmãos e esposos, para cuidar dos filhos e realizando ’naturalmente’ as tarefas domésticas. De fato, hoje em dia há pouquíssimas cerimônias de casamento celebradas na igreja, em que o padre não prega um sermão reafirmando à esposa a função de ter filhos e manter sua casa, e ao marido lhe recordando que deve cuidar e sustentar sua esposa e seus descendentes. Os defensores católicos manifestam também aspectos bem caricaturescos.

Em consequência, o movimento feminista, na França e em outras partes do mundo, teve que lutar contra as instituições religiosas. Para ter direito a dispôr de seus corpos, de seu tempo, de sua vida, para não ser consideradas unicamente como mães e objetos reprodutivos, para conseguir o direito a anticoncepção, ao aborto, o direito a uma sexualidade livre, a amar quem quisermos. Na França, apesar dos limites impostos pela sociedade capitalista (e sua última novidade, a austeridade, que fecha os centros de aborto e planejamento familiar) o movimento feminista tem adquirido certo número de direitos para as mulheres que seguem negados ainda em um grande número de países do mundo, sobretudo pelas instituições religiosas e os argumentos da religião.

Em alguns países as mulheres lutam contra a imposição do véu. É o caso por exemplo do Iran, onde usar hijab é obrigatório desde a revolução islâmica de 1979. Na França estes exemplos são utilizados para argumentar que a proibição do véu na França estaria implicitamente apoiada, animando (ou ao menos dissuadindo) as mulheres na luta contra as normas de vestimenta que lhes são impostas. Na realidade, é iludir-se demais que o simples ’símbolo’ de uma lei aprovada na França é uma medida que permite ajudar realmente as mulheres que lutam dia a dia do outro lado do mundo - especialmente quando esta não vai acompanhada de uma dura crítica aquilo que o imperialismo francês impõe às mulheres do mundo inteiro (guerra, exploração brutal nas fábricas dirigidas pelos capitalistas franceses, saqueamento dos recursos naturais, etc). Por outra parte, estes argumentos tendem a apagar uma realidade importante da luta das mulheres nos países muçulmanos: frequentemente reforçamos que estes movimentos feministas não estão unicamente focados no véu. Suas principais batalhas se central na igualdade jurídica (direito ao voto, a dirigir, a fundar associações, a ser contra as reformas mais retrógradas dos códigos familiares, que forçam ainda mais a subordinação da mulher, etc.), ou no âmbito da luta contra a exploração. Portanto, lembrar delas unicamente pela luta contra o véu islâmico é diminuir essa luta.

Ao longo da história (como recordamos neste artigo), as mulheres dos países árabes tem lutado contra a proibição do véu (como o notável caso de Argelia contra o estado colonial Francês, que tirar o véu das mulheres para ’civilizar-las’, as vezes contra sua vontade. Símbolo da crença em Deus, marca da imposição patriarcal, ou traje de combate para enfrentar o assédio nas ruas: o véu, mais do que um acessório de vestimenta teve e continua tendo múltiplos significados e muitos usos.

E que mulher, muçulmana, católica ou ateia, poderia afirma que a maneira que se veste não está na realidade marcada pela doutrina que lhe impõe a sociedade patriarcal em que vive?

Uma saia, mas não muito curta. Uma calça porque noite tem que voltar por uma rua escura, e sim, as vezes um véu para não chamar atenção, e muitas outras razões.

O que queremos dizer com isto, é que o véu não é em si o símbolo mais forte de submissão às ideologias patriarcais, do que poderia ser uma saia, um biquíni, umas calças ou um par de sapatos de salto altos. O que importa é que as mulheres decidam, e só elas. É certo que elas lutam e seguem lutando na França e em todo o mundo. E esta luta, inclusive quando se realiza contra instituições e normas religiosas, não se pode deixar nas mãos do estado.

A ilusão institucional, a deriva imperialista

O estado francês pretende ( ou ao menos é esse um de seus argumentos) com a ação de proibir o véu na escola ou o burquini nas praias, livrar as mulheres, permitindo-lhes ser libertadas do jugo patriarcal e da religião. As imagens dos policias inspecionando as veranistas nas praias, e as multas impostas às mulheres que unicamente desejam aproveitar um momento de tranquilidade com seus filhos, rapidamente colocaram em dúvida esta visão de "libertação". Porém para aqueles que continuam vendo um benefício de nosso "querido país de direitos humanos" examinemos em detalhes a que nos conduz esta lógica concretamente. A princípio, a ideia por trás da proibição é que as mulheres que usam burquini são brutalmente oprimidas, obrigadas a cobrir-se dos pés à cabeça por causa das normas religiosas impostas por seus maridos, seus pais ou seus irmãos. Portanto, a proibição e o castigo com uma multa seriam uma maneira de "ajudar" obrigando-as (sob o desacordo de seus maridos, pais ou irmãos) a se desnudarem.

Aqui está o cerne da questão. Neste caso as autoridades religiosas e/ou patriarcais impedirão as mulheres de se banharem (porque não estão com a roupa adequada) ou elas continuarão de burquini e pagarão a multa. Ou se considera que as autoridades religiosas e/ou patriarcais são débeis e vestir o burquini é uma escolha das mulheres, e neste caso a proibição e a multa não fariam mais que "castigar" às mulheres que se auto oprimem ou que seriam capazes de entender que uma mulher livre é uma mulher que usa biquini. Neste caso seria uma proibição que tem o objetivo de ’civilizar’, uma proibição definitivamente neocolonial e racista. Nos dois casos, de todos os modos, não se propõe nenhuma ajuda, nenhum apoio material e concreto para uma mulher que estaria obrigada por seu marido a vestir burquini. Seja lhes mantendo em casa ou lhes impondo uma vestimenta ’civilizada’ considerada correta... pela polícia e pelo governo.

Para que as mulheres, todas as mulheres, possam decidir elas mesmas sua vestimenta, sua crença, suas formas de vida, a solução não é enviar a polícia e lhes proibir de fato o acesso a certos lugares. Para lutas concretamente contra o patriarcado e em particular contra suas crenças religiosas, teremos que lutas por nosso direitos (direito aos anticoncepcionais, ao aborto livre, gratuito e acessível...) contra a violência às mulheres (por centros de acolhimento às mulheres vítimas de violência, contra a impunidade dos agressores, contra a violência policial...), e sobretudo pela igualdade real (igualdade salarial, pelo fim dos contratos precários que afetam em maior medida as mulheres, igualdade de acesso a todas as profissões...). Por isso, o Estado Francês, que estabelece as políticas desejadas pelos grandes grupos capitalistas, para nos explorar sempre um pouco mais (a lei do trabalho é só um último exemplo) e que defende seu crescimento imperialista (uma guerra por ano desde o começo do mandato de Hollande), está muito longe de ser nosso aliado. A exploração que se tem feito das reivindicações feministas, com a finalidade de fortalecer a "segurança" e o racismo, é inadmissível e escandaloso. Frente a onda reacionário, devemos retomar nosso slogan dos anos 70 da luta coletiva e combativa: ’Não nos libertem, nós mesmas o faremos".

 

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