Em relação ao pagamento dos salários e demais direitos trabalhistas do funcionalismo público, há meses tem estabelecido uma divisão hierarquizante entre os setores do estado.
Uns recebem, outros não. Já se convertendo em política de governo, a C&T é sempre relegada ao final da fila, junto com aposentados e pensionistas de diversos órgãos. Até hoje sem receber 13º salário. Os vencimentos de janeiro previstos para serem pagos quase no final de março. Trata-se de uma flagrante e criminosa violação de direitos.
Diga-se, uma violação que conta com a arbitrária e desumana conivência do STF. Ano passado, a alta e tão endeusada corte decidiu proibir os arrestos das contas do governo para o pagamento do funcionalismo. Pezão, assim, faz o que bem entende, sem controle, nem fiscalização.
Considerando ainda o posicionamento apresentado pelo STF no tocante à recente tentativa de obtenção de empréstimos pelo estado, o Supremo decidiu ratificar o absurdo e autoritário pacto firmado entre o governo golpista de Temer e o cassado governador Pezão: só permitiria a efetivação de empréstimo após a aprovação do projeto de privatização da Cedae.
Por essas e outras, o deputado estadual Paulo Ramos (PSOL), após o vergonhoso processo político e parlamentar que culminou na entrega da Cedae, compreensivelmente irritado, rebatizou o nome do ministro do STF, Luiz Fux, de “Luiz Foda-se”. É o que a alta corte tem sinalizado à população, aos servidores do Rio de Janeiro, desconsiderando qualquer laivo de democracia e legalidade.
Ademais, Pezão tem operado com a velha máxima de “dividir para conquistar”. Paga os salários de alguns setores e relega outros ao limbo, senão mesmo ao desespero. Especificamente em relação à Ciência e Tecnologia, tal prática visa desmoralizar o funcionalismo, os estudantes e inviabilizar completamente às suas instituições vinculadas de ensino e pesquisa.
Não é exagero argumentar que, depois da Cedae, a bola da vez da alienação é a Ciência e Tecnologia. Inexistência de serviços de vigilância, limpeza e manutenção, sucateamento das instalações físicas, parcas dotações de recursos, assim como salários e bolsas atrasadas, têm inviabilizado, inteiramente, as condições de funcionamento das universidades, escolas técnicas e agência de fomento à pesquisa. O adiamento sucessivo do início das aulas virou praxe.
As dificuldades têm crescido também em função das iniciativas combinadas – tácita ou abertamente – entre os governos federal e estadual. Pouco após a divulgação do parcelamento dos salários de janeiro, pelo governo fluminense, a União, covardemente, bloqueou essa semana as contas do estado. O valor foi de R$ 220 milhões, implicando em novo calendário para os pagamentos da pasta de Ciência e Tecnologia.
Chama mais atenção que, da noite para o dia, Pezão “descobriu” verba para a Saúde, que também estava sem receber, incluída no malfadado calendário. Nessa sexta-feira, pagou direitos há muito atrasados da PM. Tudo pensando exclusivamente no carnaval.
Os R$ 220 milhões bloqueados pela União, seguramente com o conhecimento prévio e o beneplácito do governo estadual, simplesmente conformavam recursos que poderiam, senão regularizar completamente os atrasos salariais na Ciência e Tecnologia, acertar muita pendência do governo estadual com os servidores da pasta. Mas, a opção não é essa.
Façamos uma conta simples, tomando por parâmetro a Lei Orçamentária Estadual de 2017. Os números registrados não são muito confiáveis, por serem estabelecidos com base nas despesas e nos investimentos do ano anterior, mas nos servem de critério, por constituírem-se em informações oficiais.
Contabilizados todos os órgãos da antiga SECTI (de passagem, cumpre observar que a secretaria foi fundida com a Assistência Social, há poucos dias) – Uerj, Uenf, Faetec, Cecierj, Uezo, Proderj e Faperj –, e tomando por referencial os valores com investimento anual destinado a pessoal e encargos sociais dos aludidos órgãos públicos, o passivo do governo estadual (13º e salário de janeiro) com o funcionalismo ativo, aposentados e pensionistas, gira em torno de R$ 226 milhões. Praticamente o mesmo valor recolhido essa semana pelo governo federal.
Importa ainda frisar que, especificamente em relação aos professores, servidores estatutários em atividade e funcionários contratados temporariamente, ambos diretamente impactados pelo descaso deliberado do governo estadual, estamos a falar de 7.070 trabalhadores na Faetec; 8.611 na Uerj; 169 na Uezo; 918 na Uenf; no Proderj, 406; na Faperj, 77; e no Cecierj 249.
Os aposentados formam número bem menor, salvo o caso singular do Proderj, em que chegam a atingir o triplo dos funcionários em atividade.
A crise fiscal e administrativa no estado do Rio de Janeiro é notória. Em elevada medida, passa pelo irresponsável financiamento público de grandes empresas, em particular, multinacionais, que nada pagam em impostos, nem suas dívidas. A contrapartida tem sido a gritante e célebre corrupção de agentes do governo.
Mesmo assim, em especial me referindo ao prioritário abandono da Ciência e Tecnologia, os escassos recursos financeiros não falam tão alto.
Na contramão, trata-se de ação deliberada de governo para desmoralizar, desmontar ensino, pesquisa e extensão, formação técnica adensada. Uma ação norteada pelo propósito de amesquinhar, enxugar o setor e incentivar, direta ou indiretamente, a privatização.
Igualmente, ação compatível com o subalterno e neocolonial modelo de inserção brasileira na divisão internacional do trabalho, preconizado pelos golpistas do PMDB e seus satélites: altamente dependente de exportações de bens primários, economicamente desindustrializante e desnacionalizante. Com efeito, aliena-se a passos largos a produção e o domínio de conhecimento e tecnologia.
O futuro do estado e da Nação alienado, perdido, para favorecer os interesses egoísticos e lesa pátria de um conglomerado burguês rentista, parasitário, financista, latifundiário e multinacional, que quer acabar de vez com o País.
Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político. Blog: http://jornalggn.com.br/blog/roberto-bitencourt-da-silva/