A estratégia econômica organizada pelos países que rapidamente foram se industrializando ao longo dos últimos tempos, centrada na fixa ideia do crescimento econômico ilimitado, obrigou a humanidade a conviver com a insidiosa destruição do meio ambiente; destruição ajudada, seja dito, pela ação antrópica.
É verdade que a devastação ambiental pode ser percebida (e mais bem visualizada), pelo menos, desde os últimos setenta anos, quando começou a ficar evidente que o modelo econômico em curso iniciava esforços no sentido de transformar simples desejos humanos em necessidades materiais, e, a par disso, consolidava-se a aquisição material como sinônimo de prosperidade (paradigma da conquista).
Para mensurar isso, entrou em cena o recém-criado indicador PIB (pós-1945), usado desde então como métrica de avanço econômico; como “contabilidade” do crescimento econômico que compara a “riqueza” produzida pelas nações.
À medida que algumas questões políticas foram simplesmente “transformadas” em temas econômicos, os economistas criaram ainda a relação PIB/censo populacional, traduzindo-se no PIB per capita, ou seja, numa perspectiva quantitativa que comparava o desempenho das nações no espaço e no tempo.
O estofo dessa ação terminou por fazer do crescimento econômico um dos principais – senão o principal - dogmas da economia. Desde então, tudo passou a ser pensado em termos de expansão quantitativa da economia – a essência do crescimento. A dosagem de mais crescimento (aumento do PIB) logo foi vista como uma espécie de remédio para curar todos os tipos de males sociais.
O problema é que o aumento do PIB, além de ocasionar, vai descartando (simplesmente ignorando) qualquer preocupação com o agravamento da questão ambiental decorrente. Se a boa saúde dos governos dependem artificialmente do crescimento do PIB, a desejada (e verdadeira) boa saúde das populações depende da vitalidade dos ecossistemas.
No entanto, como o que predomina é a força do poder econômico, a produção material global, por ter se tornado muito maior que a capacidade de suporte (materiais, energia e serviços ambientais) que a Terra consegue oferecer, promove enfraquecimento dos ecossistemas. O resultado? À medida que a política do crescimento consolida o mercado de consumo, a economia global segue “engolindo” os recursos naturais e os ecossistemas, piorando assim as condições de vida das populações. As consequências? Deterioração ambiental crescente, evidenciada cada vez mais no esgotamento do capital natural (solos aráveis, rios, mares, florestas, polinização, fauna, flora e outros) com consequente empobrecimento biológico da Terra. Mas, todavia, para o pensamento econômico tradicional isso pouco importa, tanto é que esses recursos não aparecem nos apontamentos do PIB.
Pela visão economicista, o que deve ser considerado é o capital físico criado pelos homens (máquinas, rodovias, carros, fábricas, roupas, eletrodomésticos e outros), afinal, é isso que permite o crescimento do PIB; outrossim, é isso que dá vitalidade aos governos; pouco importa, vale reiterar, se a natureza é alvo de desconfiguração.
Atualmente, tendo como cenário o esfacelamento dos principais serviços ecossistêmicos, a ultrapassagem das fronteiras ecológicas e a crescente e preocupante perda de biodiversidade (especialmente a defaunação e a perda de habitats) que afasta cada vez mais de nossas vistas várias espécies animais, não é exagerado afirmar que estamos na iminência de um colapso geral.
Voltando à visão aos desajustes axiais da economia que resvalam, pois, na questão ecológica, e corroborando com o argumento-chave em defesa da preservação ambiental, vale fazer uso de terminologias marxistas para dizer que parte considerável da disfuncionalidade econômica da qual nos referimos está na raiz do “reino da necessidade material”, manifestada na incessante (e por isso sufocante) “necessidade” de atingir crescimento econômico, esquecendo-se num canto qualquer o “reino da liberdade”.
Por isso, em sentido geral, a busca do desenvolvimento (correlacionado à qualidade) tem sido constantemente inferiorizada frente à busca do crescimento (correlacionado à quantidade), e a conquista material (paradigma de progresso) cada vez mais goza de supremacia diante de qualquer outra condição socioeconômica.
Por parte do convencionalismo econômico, isso tudo justifica o atual comportamento da economia tradicional que continua usando os serviços prestados pelos homens da atualidade para consolidar dois movimentos axiais que tem sido muito prejudicial à causa ecológica: a economia de mercado (com seu elevado nível de produção) e a sociedade de consumo (com a prática do consumismo).
Mesmo que hoje, diante da superioridade do mercado de consumo capitalista, orientado por decisões de cunho mercadológico, pareça pouco provável – senão uma miraculosa utopia – que as orientações e práticas da humanidade consigam atingir um nível de produção industrial que use menos taxa de consumo material e energético das sociedades industriais, mitigando portanto os efeitos nocivos que recaem sobre o meio ambiente, é necessário – e desejável – que enxerguemos, ainda que num ambiente completamente turvo, a porta de saída para prepararmos, num breve espaço de tempo, as bases de uma civilização verdadeiramente humana.
No entanto, é sabido que os principais problemas da humanidade, dos quais a destruição do meio ambiente empreendida por mãos humanas (vale ser redundante) ocupa lugar central, não serão resolvidos (ou mitigados), apenas e tão somente com avanços científicos e tecnológicos, mas combinados à ação dos próprios seres humanos, dentro de almejada conscientização planetária, perfazendo um projeto coletivo de civilização.
Na prática, espera-se que esse espírito comunitário propicie o reconhecimento de duas importantes causas: 1) que todos nós estamos abrigados sob o mesmo teto (a Casa Comum) da qual somos meros hóspedes, e não os donos e; 2) a aceitação de que somos, todos, partes (e participantes) da própria natureza.
Utopia ou não, temos que pensar assim, pois é isso que nos permite, em foro íntimo, guardarmos respeito e veneração à Mãe-Terra, sabendo-se antecipadamente que o animal homem é também terra fértil; é húmus, de onde etimologicamente vem a palavra “homem”.
A construção de uma nova economia partindo-se da premissa de que os processos de produção material passem a ser devida e obrigatoriamente subordinados à lógica da ecologia, limitados, pois, pela natureza (base e suporte da atividade econômica e humana) face a finitude de recursos materiais e energéticos, talvez seja, no momento presente, o principal desafio colocado à humanidade.
Para sua superação, é preciso que indaguemos o establishment sobre qual é, de fato, o real sentido de ainda existir um sistema econômico com o qual os homens, equivocadamente chamados de modernos, promovem a destruição das condições ecológicas fundamentais de manutenção do Sistema Vida deles próprios.
De igual modo, uma vez que estamos com a corda no pescoço, é preciso indignarmo-nos diante desse atual quadro de devastação do mundo ecológico, pois é da não-aceitação (e da indignação) que nasce (emerge) propostas de reversão.
A utopia nos faz um chamado. É chegada a hora de agirmos em busca da construção de uma nova economia que sirva o ser humano, contrariando assim o modelo atual dominante. É desse tipo de utopia que carecemos; uma utopia que tenha a cor verde da sustentabilidade ambiental, capaz de aproximar o homem do mundo natural numa relação benfazeja, colocando a ação econômica sob orientação da ecologia; portanto muito diferente da distrofia atual.