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Diário Liberdade
Segunda, 15 Outubro 2018 01:18

Concluindo o debate com o descolonial César Caramês

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Mauricio Castro

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Espero que o companheiro César Caramês nom leve a mal se tento evitar debates circulares sobre assuntos já esclarecidos no meu texto anterior.


Se ali eu expressei a imagem do espantalho levantado polo meu crítico descolonial para enfrentar os seus próprios preconceitos em lugar dos meus argumentos, limito-me agora a constatar que o companheiro continua o seu confronto com o seu “wooden dummy” particular. Adapto assi a linguagem à temática marcial tam cara para o César.

 César nega o carácter feudal do sistema pré-capitalista nipónico e, ante isso, eu, que nom som nengum perito em História do Japom, limito-me a referir que nom só Karl Marx, mas também historiadores significativos como Eric Hobsbawn e Kohachiro Takahashi, julgárom adequado falar de feudalismo japonês. Já o nome que quigermos dar-lhe (César gosta de “sistema senhorial dos daimiôs”) e as suas particularidades evidentes, é bastante irrelevante para os objetivos marcados no meu texto.

 Quando César me pergunta qual é a revoluçom burguesa espanhola do século XIX, fica claro que falamos de categorias diferentes. Para ele, umha revoluçom é um evento; para mim, um processo, que no caso espanhol se prolonga ao longo do século XIX e tem diferentes “eventos” caracterizadores. Assi acontece em geral com as revoluçons. Já falei disso no meu texto anterior, com o exemplo da confusom entre a Tomada da Bastilha e a Revoluçom Francesa, quando se toma a parte polo todo. Remeto, entom, para ali e evito a reiteraçom. Só acrescento que, considerando o longo e tardio processo de modernizaçom burguesa espanhola, as objeçons colocadas polo César sobre o surgimento serôdio da classe trabalhadora perdem consistência.

Também pode ser reiterativo insistirmos na consideraçom do papel das populaçons camponesas nas revoluçons do século XX. Que elas “reclamassem de armas na mao”, como di o César, ou que fossem maioria, nom significa que liderassem com um programa próprio revoluçons que conduzissem o campesinato ao poder. É evidente que isso nom aconteceu, embora todas as revoluçons a que nos referimos (da soviética à nicaraguana) tivessem na modernizaçom das relaçons agrárias capítulos importantes dos respetivos programas, e daí o apoio massivo das populaçons labregas.

 Existe às vezes umha confusom entre “campesinato” e “proletariado rural”, que nom sei se está por trás das pretensons do César. O camponês é representante de relaçons pré-capitalistas de produçom agrária, que na Galiza conhecemos bem, porque se prolongou até nom há tanto, sob formas ditas “patriarcais” ou “de subsistência”. Por diferentes vias, esses camponeses fôrom subsumidos pola generalizaçom das relaçons de produçom capitalista, o que na Galiza trouxo a proletarizaçom de quem nom emigrou. Hoje no campo galego nom restam praticamente “camponeses”, embora a nossa esquerda continue sem esclarecer a diferença entre as relaçons agrárias da maioria dos nossos avós e a condiçom de pequenos empresários agrários ou trabalhadores assalariados urbanos que vivem no rural.

 Noutros países, nomeadamente com grandes latifúndios, foi mais habitual a conversom dos camponeses pré-capitalistas em proletariado rural, como aconteceu na Andaluzia. Aí é bem conhecida a sindicalizaçom e politizaçom de importantes setores trabalhadores, até hoje.

 A distinçom é importante, porque é ao campesinato pré-capitalista ou só incipientemente assalariado que nos referimos quando afirmamos que nom liderou nem poderia liderar nengumha revoluçom socialista, por mais que participasse inclusive em alianças estratégicas como a “operário-camponesa” russa, para nom falarmos da chinesa ou a cubana. Porém, em todos os casos, com as suas particularidades e “etapas”, inclusive a vietnamita, aquelas revoluçons fôrom lideradas por partidos operários com programas socialistas. Nom gosto de citaçons de autoridade, mas leia-se Ho Chi Minh afirmando a necessidade de “realizar a uniom das grandes forças revolucionárias em torno da classse operária”, ou Mariátegui explicando que “para a progressiva educaçom ideológica das massas indígenas, a vanguarda operária dispom daqueles elementos militantes de raça índia que, nas minas ou nos centros urbanos, particularmente nos últimos, entram em contacto com o movimento sindical e político”. Nom serei eu quem deva justificar a consideraçom dos líderes revolucionários marxistas como parte da tradiçom em que me espelho. Talvez devesse fazê-lo quem, de modo eclético, os incorpora a umha nova teoria pós-moderna que considera Marx e o marxismo como essencialmente “eurocêntricos”.

 Quanto ao trabalho de reproduçom (da força de trabalho), que as mulheres realizam “grátis”, convém matizar que as mulheres, integrantes de um “pack” histórico resultante do surgimento da divisom social do trabalho, acedêrom há 10 mil anos à sociedade de classes como propriedade privada dos proprietários masculinos, sendo a família o núcleo económico fundamental da sociedade e o home o seu “patrom”. Essa condiçom fundante da sociedade de classes tem-se mantido, com as mudanças próprias de cada formaçom social e época histórica, até hoje.

 O capitalismo, que se caracteriza pola sua versatilidade na hora de integrar aquilo que é útil para a reproduçom alargada do capital, detetou logo a utilidade do submetimento da mulher para baixar o custo da força do trabalho. Daí que tenha combinado o acesso da mulher ao assalariamento (que aconteceu desde o início do atual modo de produçom) com a sua funçom na reproduçom da força de trabalho. Neste caso, o facto de nom ter condiçom de assalariada nom significa exatamente que o seu trabalho seja “grátis”. Na verdade, o pagamento está incluído no salário do marido, igual que o resto da sua “prole”. Nom há nengumha contradiçom entre reconhecer esse facto e afirmar que a sociabilidade e a reproduçom social no capitalismo se realiza em torno da exploraçom objetiva exercida por umha classe (burguesia) sobre outra (proletariado). Entretanto, César empenha-se em converter todo num debate valorativo sobre a “importáncia” de umha ou outra funçom na sociedade capitalista, atribuindo-me a mim umha escala de valores com prioridade “obreirista”. A minha única afirmaçom quanto a isso, que mantenho, é que sem alterar as relaçons de produçom, que enfrentam as duas classes socialmente antagónicas, nengumha outra contradiçom das realmente existentes pode ser resolvida.

 Por mais que citemos Malcolm X, os Black Panthers, Mandela e Angela Davis, nom alteraremos a história. Nengumha minoria oprimida dirigiu nem venceu, enquanto tal, umha revoluçom social. Nos nomes citados por César isto é evidente, se bem haveria que explicar a forte componente marxista de vários deles. Já no caso de Mandela, o CNA conseguiu tombar um regime institucionalmente racista, mas nom houvo revoluçom social na África do Sul. Até hoje continua a ser um país capitalista com graves problemas de desigualdade derivados dessa condiçom e dos privilégios económicos que continuam a favorecer a minoria branca, por constituir parte essencial da sua grande burguesia, junto a umha minoritária e crescente burguesia negra que também ascendeu para essa condiçom.

 A aspiraçom dos povos africanos, asiáticos, latino-americanos... que se erguêrom contra o colonialismo e contra o capitalismo nunca foi realizar umha “revoluçom racial”, mas umha revoluçom social em que a maioria trabalhadora derrotasse o colonialismo e/ou a dependência, impondo, mediante as luitas de classes, a igualdade real para além das raças. Só a novíssima teoria descolonial pretende estabelecer divisons e mais divisons sociais e nacionais com critério racial, religioso ou cultural. Dessas pretensons, essencialistas e reacionárias, surgem delírios como os “feminismos religiosos” nos países de maioria mussulmana, partidos “indígenas” como o que já existe em França, e ideias bizarras como a substituiçom do capitalismo pola “modernidade” como inimigo principal para todos esses “novos sujeitos” articulados por supostas “demandas pós-materiais”.

 Por outra parte, a confusom ideológica que caracteriza o descolonialismo leva o César a acusar-me de ser indiferente às discriminaçons salariais, quando afirmo que nom é a quantia do salário que determina a pertença à classe e nem sequer o grau da exploraçom. Vou tentar explicar melhor aquilo que afirmei no meu texto anterior, para evitar malentendidos. É perfeitamente possível que um trabalhador ou trabalhadora qualificada industrial, num setor especialmente produtivo e devido a essa qualificaçom, em condiçons tecnológicas avançadas, tenha um salário elevado e, ao mesmo tempo, produza umha mais-valia ainda maior para os donos da fábrica. É a diferença entre o salário pago e o salário nom pago que determina a quantia da mais-valia, daí que seja objetivamente mais explorado do que um trabalhador ou trabalhadora precária do setor serviços que, cobrando menos, também origina umha fatia menor de mais-valia ao seu pequeno empresário. Todo isto nom nega a existência de discriminaçons salariais nem de precariedade laboral, nem esgota as possibilidades de aumento ou perda de salário, sendo a luita de classes um aspeto determinante nessa disputa. Só esclarece que a relaçom de exploraçom é objetiva, nom valorativa.

 Se nesse caso poderia apelar a um eventual desconhecimento por parte do meu interlocutor, nom sei como interpretar a acusaçom que me dirige quando afirma que eu desprezo as luitas antirracistas, nacionais e de género, sabendo que nom é verdade. As nossas diferenças situam-se na origem e papel que cada luita desempenha ou pode desempenhar no capitalismo e nom em que eu só veja “classes”, nem em que ele só veja “raças”. Desde o primeiro momento, admitim a existência de opressons e a necessidade da sua articulaçom na luita de classes; portanto, nom vou incidir nisso.

 Também cai o César na caricatura quando me atribui desprezo por autores atuais, pretendendo que só me vale o próprio Marx. Que podamos discutir tal ou qual tese do geógrafo David Harvey, ou dos teólogos Franz Hinkelammert e Enrique Dussel, nom tira que considere de grande interesse o que deles lim (que foi mais no caso do primeiro que no do segundo e do terceiro, para dizer a verdade).

 No entanto, nom vale a pena contestar “acusaçons” como que “insultei as luitas anticapitalistas nom estritamente obreiras”. Quem nos véu lendo, poderá considerar mais ou menos justificada a minha posiçom, mas acho que ficou claro o meu absoluto respeito e reconhecimento para todo o tipo de ativismo que empurre na mesma direçom que a esquerda revolucionária sempre empurrou: a da revoluçom socialista.

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