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Diário Liberdade
Segunda, 30 Setembro 2019 13:11

Bolsonaro foi à ONU, mas falaram o Olavo e os Evangélicos

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Mário Maestri

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Em 21 de setembro, artigo da Folha de São Paulo, “'Gabinete da raiva' perde espaço no Planalto após alta da reprovação de Bolsonaro”, anunciava a perda de força, junto ao Mito, dos assessores raivosos.


Desde o início do mês, ele teria deixado de acenar sobretudo aos seus apoiadores roxos. Ou seja, os 12% do eleitorado incondicional com que ele conta, no qual se destacam os homens mais idosos, de educação elevada, com alto salário e pentecostais. O artigo insinuava que Bolsonaro passaria a obedecer à “liturgia” do cargo e, sobretudo, manteria a compostura na abertura do 74º Assembléia Geral da ONU, oportunidade excepcional para se reconstruir diante da opinião pública mundial. Em Nova Iorque, deu no que deu. Bolsonaro abriu a boca, mas foram Olavinho e os evangélicos que gruniram.

Mais uma vez, foi dose pra cavalo. Porém, não se tratou de pronunciamento errático, improvisado, redigido por Jairzinho, incapaz de assinar o nome sem que lhe segurem a mão. Escrita sob a supervisão do general Heleno, com claros objetivos políticos, a fala se dirigiu sobretudo ao público brasileiro, despreocupada com a comunidade diplomática presente.O tom geral foi olavista e evangélico, com pregação ideológica estrambólica e absoluta despreocupação com a verdade dos fatos, certamente conhecida pela seleta platéia. Avançou a proposta de luta contra o socialismo e o Foro de São Paulo, sua incarnação malévola, e denunciou a tal de “ideologia de gênero”. Elogiou indiretamente o golpe de 1964 e revelou ataque dos ímpios contra deus, a pátria e a família. Acusou a ideologia de invadir a cultura, a escola, a mídia, as universidades, os lares e sobretudo de perverter as criancinhas, mais preocupadas no Brasil de escapar das “balas perdidas” da polícia militar. Tudo para expulsar deus da alma humana.

Eu sou o Mito

Bolsonaro apresentou-se como profeta destinado a salvar o país que se encontrava à beira do abismo socialista. Predestinado, teria escapado por “milagre de deus” da facada” de “militante de esquerda”, ou seja, o Adélio Bispo de Oliveira, declarado pela Justiça inimputável por aluado. Segundo ele, o ataque socialista ao Brasil fora urdido com a ajuda de dez mil falsos médicos cubanos, escravizados por Fidel.

Eles teriam retomado, vestido de branco, a ação dos guerrilheiros. uniformizados de verde oliva, dos anos 1960, derrotados no Brasil pelos briosos militares! Operação socialista apoiada por entidades de direitos humanos e, acredite quem quiser, pela ONU! Os médicos cubanos trabalharam ou trabalham em uns cem países, todos eles presentes na cerimônia de abertura, sem jamais ter sido descoberta uma bazuca disfarçada de termômetro.

Sobrou igualmente xingamentos farto à ditadura venezuelana e mais elogios aos militares brasileiros, que acolheram os que de lá fugiam. Anunciou os esforços dos Estados Unidos e de outros países para que a “democracia seja restabelecida” no país bolivariano e ameaçou de intervenção países latino-americanos que tomassem a mesma orientação. Algo radicalmente contra a carta da ONU. Conclamou ao combate do Foro de São Paulo, segundo ele organização criminosa, criada por Fidel Castro, Lula e Hugo Chávez, para implantar o socialismo na América Latina. Entretanto, aquele Foro, de viés social-democrata, não aceita organizações revolucionárias, tendo expulsado, em 2002, as FARC!

Bolsonaro reafirmou, sem se alongar, a orientação liberal radical do Brasil, as concessões e privatizações, a abertura do mercado, a desregulamentação radical, e por aí vai. Ao contrário, deu enorme espaço à Amazônia. Sobre o tema, o Capitão Nero propôs, sem corar, o “compromisso solene com a preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável”. Afirmou, de pés juntos, que o Brasil é “um dos países que mais protege o meio ambiente” no mundo. A floresta seguiria, disse, “praticamente intocada”. Lançou parte da responsabilidade do fogaréu de agosto de 2019 às queimadas “espontâneas” e às “praticadas por índios e populações locais”. Sobre os mega-grileiros e o agro-negócio, seus parceiros e financiadores, não disse palavra.

Batendo no peio, brioso, afirmou que o sentimento patriótico brasileiro teria sido despertado pelos “ataques sensacionalistas” “de grande parte da mídia internacional”. A seguir, repetiu o credo patrioteiro dos altos oficiais sobre a defesa da grande floresta. A Amazônia não seria um patrimônio da humanidade, nem o pulmão do mundo. E não está sendo devastada ou consumida pelo fogo. Disse isso, quando focos de queimadas seguem ativos na grande floresta. Sem nominar a França e a Alemanha, reclamou o ataque à soberania nacional brasileira e agradeceu a defesa de seu governo sobretudo por Donald Trump no G7. A seguir, apresentou sem pejo o plano de arrasamento mercantil da imensa floresta.

Deus é Brasileiro!

Reafirmou que não haverá mais demarcações de reservas e que é necessária a exploração das mesmas, já que são ricas em minérios, que citou, um por um - ouro, diamante, urânio, nióbio e terras raras. Destratou o cacique Raoni, as ONGs ambientalistas, os interesses internacionais que propôs como escusos. Elogiou o cacique que levara no bolso para a ONU para provar que o segundo governo golpista tem também seus índios, que desejam a exploração da floresta. Nos fatos, Bolsonaro promete não deixar pedra sobre pedra.

Anunciou uma nova “política indigenista” que garanta a “autonomia econômica dos indígenas”. Ou seja, a abertura das reservas à exploração de mineradores, agricultores, plantadores. Para ele, uma necessidade, já que, ao seu ver, o “mundo necessita ser alimentado”. Avançou também o projeto, dos generais golpistas e do imperialismo, de parceria do grande capital internacional na exploração e devastação das reservas e da floresta. Política que delineara na campanha eleitoral e reafirmara quando das mega-queimadas de agosto.

Sem fazer com os dedos pistola, propôs a prática, no Brasil, dos “mais altos padrões de direitos humanos”, com “a defesa da democracia e da liberdade de expressão, religiosa e de imprensa” e o combate à “corrupção e à criminalidade”. Celebrou a entrega pelo seu governo de exilados políticos italiano, chileno e paraguaio de esquerda. Referiu-se a roubo de “centenas de bilhões de dólares”, pelos governos socialistas anteriores, para comprar “parte da mídia e do parlamento”. Crimes reprimidos por Sérgio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública, que definiu como símbolo de retidão no Brasil. Isso, apesar de atualmente ele estar sendo acusado -com provas irretorquíveis- de orientar politicamente seus julgamentos e pejá-los de atos ilegais.pastedGraphic.png Homenageou os quatrocentos policiais militares mortos em 2017, sem se referir aos mais de 6.200 civis assassinados por eles, quando em serviço, no ano seguinte, sob quase absoluta impunidade. Propôs que o país está mais seguro e mais hospitaleiro, esperando turistas.

Cruzada Cristã

Foi amplo o espaço que dedicou à “perseguição religiosa”, definida como “flagelo” internacional, apoiando vivamente a “criação do 'Dia Internacional em Memória das Vítimas de Atos de Violência baseados em Religião ou Crença’.” Num ataque silencioso à legislação contra o racismo, o feminicídio, a homofobia, etc., afirmou, em forma depreciativa, que se resguarda “direitos de todo tipo e de toda sorte” e não dos “milhões de cristãos” e de outras religiões atacados através do mundo.

No Brasil, país onde a população pratica ampla transigência em relação à religião, mudando de uma para outra sem grandes problemas, as religiões afro-brasileiras são o único credo religioso discriminado e objeto de perseguição. Elas são atacadas, sem punição, por setores pentecostais, uma das principais bases de apoio do bolsonarismo. A fala do segundo presidente golpista destacou a perseguição sobretudo aos cristãos, retomando visões e propostas da extrema direita cristã estadunidense, que apoia Trump e financiou sua campanha.

Mais uma vez, elogiou indiretamente a ação e a excelência do exército nacional nas chamadas missões de paz da ONU. A mais recente e famosa deles é certamente o controle militar da população haitiana por fartas tropas brasileiras, a pedido dos USA. Durante essa operação, o general Heleno foi removido do comando, pois acusado de promover massacre em favela daquele país. Destacou os Estados Unidos, Israel, Chile, a Argentina de Macri, a quem fez um aceno, como parceiros internacionais. Terminou citando a Bíblia, proferindo preleção geral sobre o credo olavista-evangélico, agradecendo a “todos pela graça e glória de Deus!”

Missão Impossível

O discurso apresentou-se como um longo fake news enviado pelo WhatsApp para eleitores incautos, apoiado na visão de mundo e do Brasil olavista e evangélica, com amplo espaço para a adulação da oficialidade das forças armadas, de Trump e da direita cristã estadunidense. Mais do que a realidade, o artigo da Folha de São Paulo e de outras declarações da grande mídia no mesmo sentido, sobre a esperada moderação do Mito Desidrata, expressavam o desejo e a esperança das grandes classes dominantes nacionais e internacionais de um Bolsonaro domesticado e civilizado, na medida do possível, ajudando e não atrapalhando o golpismo em consolidação.

Porém, essa é a natureza do bolsonarismo e ele, como o escorpião, não pode abandoná-la. A rápida queda em flecha e contínua do seu apoio popular deve-se sobretudo à enorme crise econômica do país, com os mais de quarenta milhões de desempregados e sub-empregados, que não reconheceu. Os desmandos do capitão que não conhece a letra do Hino Nacional e de seus brancaleones apenas ajudam esse deslizar incessante ladeira abaixo. Porém, há impossibilidade de reverter a situação de crise social, já que ela é parte da reformatação geral golpista do país sob a hegemonia do grande capital. No melhor dos casos, a crise se estabilizará. A tendência geral é porém que ela se aprofunde. Sobretudo se a economia mundial entrar em recessão, como é em geral previsto. Bolsonaro possivelmente não viu ainda o fundo do poço.

O capitão troca-letra se volta para os seus incondicionais, se esforçando para mantê-los no redil. E procura estreitar as alianças com seus mais fortes apoiadores. No Brasil, os generais entreguistas, as hordas evangélicas, as milícias, as forças policiais-militares. No mundo, Trump e o cristianismo fundamentalista, nos USA; Netanyahu, em Israel; Piñeda, no Chile, e por aí vai. Já descrente na possibilidade de conquista de hegemonia entre a população brasileira, procura construir e consolidar movimento extremista, inserido na constelação da ultra-direita internacional, com destaque para a estadunidense e européia. Espera, assim, sobreviver até 2022 e, eventualmente, se propor, novamente, como presidente. Voltado para o público interno, sem se importar com o mundo, Bolsonaro rasgou elogio para suas paixões, declarou seu amor por Trump no corredor da ONU, mas se esqueceu do Rodrigo Maia, do Centrão e do Parlamento conservador, precisamente aqueles que tem na mão, cada vez mais, a tal da Bic que assina as grandes decisões do golpismo! [Duplo Expresso, 26/09/2018]

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