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Diário Liberdade
Domingo, 20 Outubro 2019 00:34 Última modificação em Sexta, 25 Outubro 2019 01:07

Equador: Um Outubro que foi Fevereiro

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Atilio Borón

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[Atilio Borón -traduçom do Diário Liberdade] Concluída a suposta negociaçom entre a cúpula dirigente da CONAIE e Lenin Moreno este 14 de Outubro ficou sentenciada a derrota do levantamento popular.


A mobilizaçom tinha começado, segundo um tuite oficial da CONAIE, para pôr fim "às políticas económicas de morte e miséria que gera o FMI e as políticas extrativistas que afetam os nossos territórios." Na muito completa e detalhada "Declaratória de Agenda de Luita de Organizaçons de Povos, Nacionalidades e Comunidades Indígenas e Amazónicas em Apoio à Mobilizaçom Nacional e o Exercício da nossa Autodeterminaçom", aprovada em Puyo (Pastaza), a 7 de Outubro de 2019 destacavam como alguns dos seus conteúdos mais destacados a rejeiçom a "as medidas económicas, denominadas o “paquetazo”, e agregava-se que "demandamos a reversom integral da carta de intençom subscrita com o Fundo Monetário Internacional cujo conteúdo nom se fijo de carácter público violando a obrigaçom de transparentar os atos do executivo; bem como a terminaçom das tentativas de privatizaçom das empresas públicas encobertas baixo a figura de "concessom"."A Agenda e outras declaraçons da CONAIE também denunciavam "os enormes lucros que a burguesia continua a receber através de múltiplas políticas de reativaçom económica" e dizendo que tinha chegado o "momento de umha açom para conquistar reivindicaçons populares e impedir que a aplanadora de reformas passe sobre a economia dos lares pobres". Isto traduzia-se, segundo os líderes do movimento, em escandalosas medidas a favor dos bancos e grandes empresas que fôrom exoneradas do pagamento de 4.295 milhons de dólares em impostos bem como a "colonizaçom" por parte dos seus representantes dos principais cargos da administraçom pública bem como a desregulamentaçom e precarizaçom laboral exigida no "paquetazo" do FMI. Lembre-se que as medidas anunciadas por Moreno o 1º de outubro estabelecia que os trabalhadores das empresas públicas "deveriam contribuir cada mês num dia do seu salário" e que com o objeto de "reduzir a massa salarial os contratos ocasionas iriam renovar-se com menos 20% de remuneraçom, ao passo que o tempo das suas férias se baixa de 30 a 15 dias." A isto havia que acrescentar o enorme aumento do preço dos combustíveis ocasionado pola eliminaçom de uns subsídios estabelecidos há já quarenta anos, o que encareceria quase todas as mercadorias de consumo popular e iria gerar um forte corte nos rendimentos da populaçom.[1]

Surpreende que esta extensa agenda ficasse por completo à margem da discussom entre a dirigência dos povos originários e o presidente equatoriano. Nom se entende, portanto, o triunfalismo que referem alguns protagonistas e observadores do conflito ao falar da "negociaçom" que pujo fim à revolta. Salvo a questom do preço da gasolina –sem dúvida importante– todo o resto continua intacto, como se a enorme mobilizaçom popular contra as imposiçons do FMI nom tivesse acontecido. O conteúdo do chamado "paquetazo" assombrosamente ficaram fora da discussom, o mesmo que o reclamo, anteriormente expressado pola dirigência indígena, de reverter a carta de intençom assinada com o FMI "de maneira inconsulta." nom só isto: também ficaram sepultados no esquecimento, ao menos por agora, o facto de que Moreno chegasse ao governo com o programa da Revoluçom Cidadá do ex presidente Rafael Correia que priva continuar a aplicar as medidas de corte pós-neoliberal que tinham sido fortemente combatidas polas elites económicas do Equador e com umha agenda que reposicionava esse país online com os governos progressistas da regiom, pugnando por se emancipar da pesada tutela que Washington tradicionalmente tinha exercido sobre as naçons localizadas no que com tanto respeito polos nossos povos denominam o "pátio das traseiras" dos Estados Unidos. Mediante umha espetacular cambalhota política, Moreno malbaratou esse mandato com umha velocidade e radicalidade poucas vezes vistas, ao mesmo tempo que converteu Rafael Correia -quem até o dia da tomada de posse nom se cansava de dizer que tinha sido umha das mais sobranceiras figuras do Equador, só ultrapassado por Eloy Alfaro- num nefasto personagem causante das maiores desgraças jamais padecidas polo Equador, perseguindo-o com raiva doentia e sem pausa. Moreno nom só reverteu o caminho transitado por Correa, como o fijo submetendo-se vilmente às ordens de Washington: abandonou a ALVA; entregou umha base militar em Galápagos (um dos últimos refúgios sem poluiçom da humanidade); despejou as autoridades e servidores públicos da UNASUR do edifício construído nas periferias de Quito, precisamente sobre a linha equatorial; e ajoelhou-se diante de Donald Trump para satisfazer com inigualada ignomínia (num continente pródigo em lambe-botas do império) os menores caprichos do imperador. Para começar, tentando destruir a Unasur e promover o nefasto Grupo de Lima para atacar a Revoluçom Bolivariana. Em definitivo, o Equador passou da autodeterminaçom nacional conquistada polo governo de Correia a ser um "proxy", melhor dito: um estado-peom que se limita a obedecer as ordens emanadas de Washington e das corruptas oligarquias dominantes no Equador. Nada, absolutamente nada disto, apareceu nas "negociaçons" que a dirigência da CONAIE mantivo com Moreno e que pujo fim ao conflito. Tampouco houvo nessa peculiar "negociaçom" umha condenaçom da brutalidade da repressom policial e militar, os mortos (mínimo dez), quase 100 desaparecidos, centenas de feridos e encarcerados, estes últimos por milhares, e nada se dixo sobre a encomenda de despedimento dos ultrarreacionários ministros do Interior e Defesa e sobre os atropelamentos de direitos humanos. Todo o abalo que fijo tremer o Equador só polo preço da gasolina? E o "paquetazo" do FMI? Ao que todo indica, o monte pariu um rato.

Permita-se-nos oferecer algumas conjeturas para tratar de compreender o ocorrido e as suas razons. Primeiro, o que caracterizou esta revolta foi a sua tremenda fraqueza ideológica e política que mal podia ser ocultada sob a multitudinária convocaçom. Mas carecia de direçom política motivada por um genuíno desejo de mudança e de oposiçom ao regime dirigente. Na realidade, vistas as cousas com a vantagem que outorga o passar do tempo, poderia dizer-se com algum exagero que foi umha disputa ao interior do projeto morenista e nada mais, e que o espontaneísmo do protesto provocado polo decreto de 1º de Outubro foi visto com beneplácito polos seus condutores, nada interessados numha elevaçom do nível de consciência das massas insurgentes. O resto era fumo retórico que tinha por finalidade mais confundir as massas do que esclarecer a sua consciência e o sentido da sua luita. Segundo, a traiçom de Moreno encontra o seu espelho na de alguns dos mais salientáveis dirigentes da CONAIE, nomeadamente Jaime Vargas, que deitou pola borda os seus próprios mortos e desaparecidos para obter a mudança a promessa –entenda-se bem, "a promessa"– de um novo decreto que só um iluso, ou um perverso cúmplice, pode achar que significará desandar o caminho do total submetimento ao FMI. Cabe esperar umha profunda discussom no seio da CONAIE porque há indícios de que um setor da direçom, e nom poucos nas suas bases, nom estám de acordo com o pactuado com o regime de Moreno. nom só com o acordado por Vargas senom também com o papel jogado por Salvador Quishpe, ex Prefecto de Morona e encarnizado inimigo de Correia e cuja animosidad para este o levou a forjar um obsceno contubernio com Moreno. nom é para nada arriscado pronosticar que este conflito latente nom demorará a rebentar. Terceiro, o presidente moveu-se com astúcia, bem aconselhado por Enrique Ayala Moura, presidente do Partido Socialista do Equador e alguns outros mercenários da política equatoriana (unidos polo seu doentio rancor que tenhem polo ex-presidente Correia) como Pablo Celi, Juan Sebastián Roldán e Gustavo Larrea,  visitantes habituais e pombos-correio da "embaixada" (por nom os qualificar de "agentes") quem lhe indicárom de que modo tinha que negociar com os indígenas: promessas, gestos simpáticos, fotos, umha montagem televisiva, exaltaçom da falsa unidade tipo "somos todos equatorianos", umha fraternidade de opereta a cargo do camaleom maior da política latino-americana, Lenín Moreno, para fazer com que os rebeldes voltasseem às suas comunidades deixando o campo aclarado para que depois o governo prosseguir sem empecilhos com o seu projeto. Quarto, o sucesso da estratégia do governo monta-se também num facto tam certo como lamentável: a profunda penetraçom das ideias da "antipolítica" na sociedade civil do Equador, que concebe os partidos como inevitáveis ninhos de corrupçom, amém do virulento e sustentado ataque contra o correísmo e todo o que o lembrar, a cumplicidade do poder judicial em validar a sistémica violaçom do estado de direito durante a gestom de Moreno e o papel manipulador da oligarquia mediática que nom cessou de (mal)informar e desinformar ao longo do conflito. Quinto, que enquanto a insurgência indígena contou com o apoio de amplos setores da populaçom, estes nom fôrom senom um coro que acompanhou passivamente as iniciativas da dirigência da CONAIE. Só assi pode ser interpretado o facto anómalo de que só a dirigência dessa organizaçom (muito influída, é sabido, por algumas ONGs que atuam no Equador e que som os invisíveis tentáculos do império e inclusive algumhas agências federais do governo dos Estados Unidos) tivesse estado sentada na mesa das negociaçons. E os outros setores do campo popular, quê? Nada. Inesperadamente sumírom todos os seus outros componentes e todo aquilo sólido "dissolveu-se no ar", sem deixar marcas do conflito. O enfraquecimento dos partidos e sindicatos facilitou enormemente as cousas para o governo e para a dirigência conservadora da CONAIE. Nom deixa de ser um dado vergonhoso e extravagante que o principal alvo de ataque desta fosse Rafael Correia e nom o verdugo que estava a assassinar os seus seguidores nas ruas de Quito. Isto revela a profundeza de um conflito entre o ex presidente e aquela organizaçom que nesta conjuntura serviu para impedir que o correísmo, bem como outras forças políticas e sociais, pudessem convergir na conduçom da revolta. Para mais, o governo encarcerou vários dos mais importantes líderes do correísmo, começando por nada menos que a presidenta da Cámara de Pichincha, Paola Pabón, sem que houvesse o menor protesto da dirigência da CONAIE perante semelhante atropelamento.

Para concluir: longe de ter sido realmente umha vitória, foi a consumaçom de umha derrota da insurgência popular, cujo enorme sacrifício foi oferendado sem nada concreto em troca, e para cúmulo numha falsa mesa de negociaçons. umha dirigência indígena que ou bem é ingénua ou se nom corrupta porque, parafraseando o que dizia o Che a propósito do imperialismo, "em Moreno nom pode confiar mesmo nadinha»! E esta dirigência achou-lhe ao "capo" de um regime francamente ditatorial e corrupto até as vísceras. Achou-lhe a umha personagem como Moreno, traidor serial que se faltou às suas promessas cem vezes fá-lo-á cento e uma, sem escrúpulo algum e se morrendo de riso dos negociadores indígenas! Claro que o presidente também saiu debilitado do conflito: teu que fugir de Quito e montar umha negociaçom, fraudulenta mas vistosa e eficaz ante as câmaras de televisom. O FMI lhe reprochará a sua atitude e voltará à carga, obrigando-lhe a cumprir com o que pactuou, pese às promessas que lhe fizesse à CONAIE. nom passará muito tempo antes que as massas populares do Equador, nom só os povos originários senom também as capas pobres da cidade e o campo, os setores meios empobrecidos e desempoderados, enfim, a maioria da populaçom do Equador compreendia a grande fraude perpetrada por Moreno e os seus terríveis assessores com a imperdoável cumplicidade da dirigência da CONAIE e decidam tomar as ruas novamente. É umha venerável tradiçom do povo equatoriano, que derrocou a vários presidentes reaccionarios e se desta vez, quando fijo um esforço incrível, as cousas saíram mau é provável que na sua segura resurgencia os resultados sejam muito diferentes. Traçando um paralelo com a história da Revoluçom Russa o que vimos no Equador parecia ser um Outubro e acabou por ser um Fevereiro. Por isso o "Kerenski" equatoriano ainda se mantém no poder, como se mantivo o russo até que lhe chegou o seu Outubro. Mais cedo do que tarde, também ao equatoriano vai chegar-lhe o seu Outubro e, se as massas populares algo aprendêrom desta liçom, no futuro nom se enganarám e quando se rebelarem descartarám a sua dirigência entreguista e porám fim a um regime sipaio, imoral e retrógrado como poucos já houvo na história da nossa América.

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