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Sábado, 20 Mai 2017 13:54 Última modificação em Segunda, 22 Mai 2017 19:54

Procedimento por Défice Excessivo (PDE) é nome de arma política: “Reformar” até que o capital não tenha freio

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País: Portugal / Laboral/Economia / Fonte: Jornal Mudar de Vida

[Manuel Raposo] Já com as contas públicas de 2016 encerradas, um coro de vozes a vários tons — FMI, Banco Central Europeu, Ecofin, Comissão Europeia — veio lembrar as fragilidades da economia portuguesa, as incertezas futuras, a “insustentabilidade” dos valores conseguidos. Tudo apontando numa mesma direcção: a necessidade de “reformas”.

Teve, obviamente, os esperados ecos internos vindos do Conselho das Finanças Públicas, das organizações patronais e, claro, da direita troiko-dependente. E em cima de tudo isto, as agências de rating re-confirmaram o “lixo” para que remetem a economia lusa.
Arrasta-se assim, sine die, o prazo para o esperado levantamento do chamado “procedimento por défice excessivo”, contrariando o optimismo de Marcelo e de Costa.

Este PDE é o nome cabalístico dado pela União Europeia à intervenção das instâncias político-financeiras comunitárias para domesticar as contas públicas dos países que ultrapassam os limites estabelecidos para o défice do Estado. Sabe-se o que se passou com a intervenção da troika durante os quatro anos do governo PSD-CDS, para além dos PEC de má memória do governo Sócrates.
Seria de esperar, se tudo fosse liso, que, conseguido um défice abaixo dos 3% em 2016, o país se visse libertado do anátema. Mas parece que não.

Já de si, a imposição de um limite ao endividamento do Estado tem um objectivo preciso: impedir o investimento público, dando campo ao investimento privado e abrindo caminho à redução de impostos sobre o capital. Em cima disso, o dito PDE é, como se vê, uma arma política que as potências dominantes da UE embainham e desembainham a belprazer.

As “reformas estruturais” são agora o mote que justifica a pressão da UE. Argumentam, por exemplo, no caso português, que, não tendo o Estado reduzido a sua orgânica e os seus encargos, não pode evitar de futuro um crescimento das despesas públicas e um consequente aumento do défice. O alvo, no caso, não são as “gorduras” do aparelho de Estado, que Passos Coelho e Portas prometiam atacar; não é o desperdício ou os privilégios da casta estatal que estão em causa — são as grandes despesas sociais.
As “reformas estruturais” que a UE quer impor, acolitada pelo patronato nacional e pela direita, são as que uns e outros perseguem desde sempre: arredar o Estado dos sistemas de educação, de saúde e de segurança social. Com o argumento de reduzir a despesa pública pretende-se efectivamente a entrega destes sistemas ao capital privado, passando o Estado a pagar a privados (para além do que já paga, por exemplo, nas PPP) as verbas que agora constituem encargos públicos e abrindo às negociatas do capital a vasta área dos apoios sociais.

Outra das “reformas” tem a ver, como se sabe, com a legislação laboral. Apesar de todas as facilidades já concedidas ao capital em detrimento do trabalho, mesmo assim, tanto a UE como o patronato nacional insistem em destruir mais ainda as protecções legais que restam aos trabalhadores. O argumento de aumentar a produtividade é uma falácia. Na verdade, pretende-se criar condições para uma maior exploração do trabalho em termos absolutos. É isso que resulta da precarização do emprego, da progressiva eliminação dos contratos duradouros, da consequente quebra dos salários médios, do aumento das horas de trabalho. Nada disso incrementa a produtividade.
Melhorar a produtividade das empresas implicaria grandes investimentos em tecnologia, de retorno incerto em face da crise. Mais do que isso, a generalidade do capital nacional ou estrangeiro quer é mais produção — coisa que também se consegue com mais horas de trabalho por dia e com salários mais baixos, sem investir um chavo. Quem vai querer investir somas consideráveis em tecnologia quando há mão de obra barata a explorar?
Para obviar à crise de acumulação em que caiu, sem perspectiva de saída, o capital intensifica a exploração que lhe confere mais-valia absoluta — fazendo pleno uso dos poderes coercivos do Estado — e põe em banho-maria a produção de mais-valia relativa. Isto é mais patente em países de economia pouco desenvolvida como a nossa. Daí a renúncia quase total ao investimento da parte do capital nacional.

Longe de pretender uma modernização do “tecido produtivo nacional”, como se ouve dizer, o que o grande capital europeu pretende (e o capital nacional não vai fora disso) é a criação de uma zona de mão de obra barata e disponível nos países do sul da Europa — seja para a produção de bens, seja para a prestação de serviços como o turismo. Uma reserva de trabalho precário na vizinhança do centro europeu mais desenvolvido.

É por isto que a batalha da esquerda regimental pelo crescimento e pela produtividade está votada ao fracasso — ela esbarra nesta realidade de base ditada pela crise geral do capitalismo. Não é, portanto, em torno de nenhuma “batalha da produção” que os trabalhadores podem ou devam ser mobilizados; é em torno da ideia de que estamos a assistir ao descalabro de um sistema produtivo que já não pode dar solução aos seus mínimos interesses de classe ou individuais, e perante cuja decadência importa reunir as forças sociais capazes de lhe pôr termo.

As pressões da UE não representam apenas ingerências externas. São além disso as campainhas de alarme do capital europeu no seu conjunto (português incluído) sobre a persistência da crise capitalista e sobre os perigos que isso arrasta de novo colapso como o de 2008. São sinais de alerta apontados para os elos mais frágeis do capitalismo europeu.
Neste sentido também, importaria que os trabalhadores portugueses ganhassem outra consciência sobre a instabilidade da situação que vivem; que não se contentassem com as pequenas vantagens conseguidas no último ano e meio, uma gota no oceano das suas necessidades e dos seus direitos; que não se limitassem a indignar-se contra as “violações da soberania nacional”.
Importaria que aquelas forças sociais internas tratassem de estabelecer laços firmes com os trabalhadores dos demais países vitimados pela crise e pela acção das troikas — com vista a uma frente popular capaz de enfrentar o capital europeu e as consequências do seu descalabro.

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