São funcionários de órgãos federais – provavelmente militares e Petrobras à frente –, de municípios e do governo estadual. Somente na cidade do Rio, aproximadamente 13,5% da população empregada encontra-se no setor público, com vínculo estatutário, segundo dados do IBGE. Talvez apenas Brasília reserve relevância similar aos funcionários do setor público, no tocante ao mercado consumidor, de trabalho e à arrecadação de impostos.
Estritamente em relação ao governo do estado do Rio de Janeiro, os números são os que seguem: 466.727 vínculos, “sendo 218.637 ativos, 155.971 aposentados e 92.119 pensionistas”, de acordo com a Secretaria de Planejamento. Por baixo, direta e indiretamente, esses segmentos do funcionalismo estadual podem responder por cerca de 15% do potencial de consumo no estado, considerando aí dependentes e familiares.
Trata-se, pois, de uma robusta fração do mercado consumidor fluminense, que incide diretamente nas vendas do comércio, no turismo doméstico e, com efeito, na arrecadação estadual e em estímulos à geração de empregos assalariados em diferentes setores.
Desse modo, o significado dos servidores públicos, para o estado do Rio, não pode ser delineado pensando apenas na realização de direitos coletivos e na oferta de serviços públicos. Possui, igualmente, expressão econômica decisiva.
Os liberalóides de plantão que durmam com essa: “Estado mínimo” não só destrói direitos individuais e coletivos, bens tangíveis e intangíveis que proporcionam maior conforto, dignidade e oportunidade às pessoas. Mas, também, é economicamente irracional e destrutivo.
Adotando uma dura agenda liberal e privatizante – tão endeusada pelos magos do mainstream econômico, que circulam pelos conglomerados de comunicação reverberando uma cantilena semirreligiosa, pretensamente científica e nada ciosa com o mundo real –, o governador Pezão (PMDB) e o vice Dornelles (PP), desde o 2º semestre de 2015, de tudo têm feito para satanizar politicamente os servidores, assim como destruir suas condições de vida e trabalho.
O cúmulo da irresponsabilidade foi atingido por Dornelles, que chegou ao ponto, no início do ano passado, de indagar a repórteres “se não tinham um dinheirinho para ajudar”. Como se sabe, economia é uma complexa realidade apoiada em expectativas, desejos, esperanças, receios e medos. Em outras palavras: a subjetividade fala muito alto.
O único comportamento incentivado pelo governo estadual, entre o funcionalismo, foi de retração absoluta do consumo e escanteamento de projetos de vida, que incidam em gastos familiares. Crises internacional e nacional à parte, saltam aos olhos a nociva contribuição oferecida pelo governo Pezão na grave crise econômica estadual.
Há mais de um ano, os atrasos salariais constantes têm repercutido, especialmente, no comércio fluminense. Lojas voltadas ao consumo popular fechadas em diferentes municípios. O comércio dirigido à pequena burguesia e aos estratos altos da burguesia também reflete sintoma equivalente. Shoppings em áreas nobres com lojas fechadas. Inúmeras.
Isso posto, a edição noturna do telejornal local da Rede Globo (RJ TV), dessa segunda-feira, noticiou o dramático cenário, representado em números: a cada 3 postos de trabalho fechados no País, dois são do Rio de Janeiro. 26 mil desempregados a mais, somente em janeiro de 2017.
Evidentemente, isso em nada surpreende. Muito menos a abordagem da TV Globo sobre a grave crise estadual. Não raro atravessada por enquadramentos noticiosos que demonstram múltiplos problemas e dramas vivenciados pelo funcionalismo e a população usuária dos serviços públicos, a cobertura da TV Globo sempre se orienta por uma perspectiva fatalista.
A ideia básica é a seguinte: cenário trágico e lastimável de lado, “não há o que fazer”. Apenas “enxugar” o Estado, eliminar direitos sociais e privatizar bens públicos, bem como aprovar o nefasto e autoritário pacote delineado pelas equipes de Pezão e do golpista e entreguista Michel Temer (PMDB).
Renitentemente, naquilo que importa enquanto propostas de soluções para debelar a crise estadual, a TV Globo atribui legitimidade exclusiva à Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro.
Os interlocutores privilegiados e propositivos somente da Firjan. Nenhum outro setor da sociedade, nenhuma voz dissonante é convocada para tecer diagnósticos sobre a crise e oferecer alternativas. Suspender as isenções fiscais, cobrar as volumosas dividas de grandes empresas nacionais e estrangeiras junto ao governo, rever e auditar a dívida do RJ com a União. Temas e opções totalmente descartados e invisíveis no noticiário da TV Globo.
Para variar, na aludida edição do RJ TV, representante da Firjan foi ouvido, alongando-se na defesa do pacote Pezão/Temer, de “redução do Estado”. O mais curioso e revelador: alegou que as empresas estão se retirando do estado por conta da crise.
As tão louvadas isenções fiscais a que Sergio Cabral Filho e Pezão premiaram o grande capital, durante anos – chegando ao grotesco limite de editar leis especiais para a Nissan e a Land Rover ficarem 50 anos sem pagar ICMS –, agora têm como resultado o fim de uma ilusão liberal e vende pátria: o grande capital, doméstico e multinacional, é parasitário.
Ele não guarda qualquer preocupação social. Não detém o menor compromisso público com as localidades em que se instalam. Lucros e espoliação. Esses são os seus lemas. Muito bem defendidos por Pezão, a Globo e a Firjan.
Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político. Blog: http://jornalggn.com.br/blog/roberto-bitencourt-da-silva/