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Diário Liberdade
Sábado, 17 Junho 2017 21:54 Última modificação em Sexta, 23 Junho 2017 04:09

Os partidos políticos ainda servem como instrumentos de representação?

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Roberto Bitencourt da Silva

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[Roberto Bitencourt da Silva] A decantada crise da democracia representativa foi colocada em evidência global há aproximadamente duas décadas, por acadêmicos, agentes políticos, atores dos movimentos sociais, jornalistas etc. Não gratuitamente, acompanhou a hegemonia neoliberal no planeta.


Basicamente, o diagnóstico assevera(va) que o poder decisório sobre as vidas das pessoas, dos grupos sociais e das nações transita(va) em escala mundial – personificado, significativamente, pelas corporações multinacionais e pelo sistema financeiro. Enquanto isso, a política e o voto circunscrevem-se aos territórios nacionais.

A força do dinheiro e das determinações e contingências externas incidem diretamente na criação da modelagem de pequenas e tímidas margens de decisão nacional sobre os rumos e as escolhas dos povos.

O diagnóstico não é exagerado, mas tende a escantear a força interveniente de mobilização e a capacidade de escolha de classes sociais e povos, sobretudo dos partidos e de seus quadros dirigentes em diferentes latitudes. A nossa América Latina, no mesmo período, tem se configurado em região importante de experiências políticas contrárias ao fenômeno mundial.

​Se a democracia representativa anda em crise no globo, os partidos, enquanto pilares fundamentais de sustentação do regime democrático-liberal, seguem na mesma esteira. As exceções mais salientes são os casos de alguns países coirmãos latino-americanos, no tocante à operacionalidade e à credibilidade do regime democrático e dos partidos. Isso por que, em boa medida, opera(ra)m também com a dimensão participativa da democracia.

Os partidos políticos, notadamente no Brasil e na Europa Ocidental, seguem a trilha do sistema enclausurado norte-americano, abertamente suscetíveis à ingerência da força da grana e da agenda delineada pelos conglomerados de mídia. Os recorrentes escândalos de corrupção não são gratuitos. O financiamento empresarial de campanhas é apenas um aspecto relevante.

O papel educativo e atento à ambiência externa das suas potenciais bases sociais deixados de lado. Nesse sentido, é plausível argumentar que a perspectiva do filósofo comunista italiano Antonio Gramsci, alinhavada nos anos 1920/30, constitua uma das principais referências em torno de uma visão pedagógica dos partidos.

Isto é, uma concepção que privilegia(va) papel ativo dos partidos no âmbito social, não apenas recolhendo sugestões e demandas das possíveis bases da sociedade civil, como também reverberando temas, valores, perfis de comportamento, potencialmente mesmo enquadrando aquelas bases em torno de uma visão de mundo.

Um ativismo político como correia de transmissão de baixo para as instituições do Estado e que, igualmente, visa(va) modelar o ambiente externo à organização, revelando capacidade de modelar seus potenciais representados. Nesse aspecto em particular, Gramsci situava-se em franca sintonia com a cosmovisão de Lenin sobre os partidos, sobretudo de tipo mudancistas.

Uma outra corrente teórica sobre as organizações partidárias, mais afeita à correlação entre partidos e mercado capitalista, pode ser recordada fazendo referência às reflexões de Joseph Schumpeter, Angelo Panebianco e Anthony Downs.

Fundamentalmente, toma-se o partido como organização, que detém o monopólio da representação popular e imprime a disputa intergrupos organizados por bens limitados: os votos. Nessa acepção dos partidos, os incentivos internos – junto aos militantes e filiados – e a atenção com a sobrevivência, a conquista e a preservação de fatias de poder (de mercado eleitoral) sobressaem.

Por conseguinte, fazem-se necessárias rápidas ponderações acerca de aspectos do funcionamento básico do mercado capitalista contemporâneo, para entendermos o que esses teóricos organizacionais (e conservadores) dos partidos queriam dizer.

Entre outros recursos de poder, de dominação e busca por legitimidade, o capitalismo opera com o cotidiano. Relações de trabalho, de injustiça, de espoliação são marcantes e influem decisivamente as vidas das pessoas.

Uma dimensão importante para tentar legitimidade é o marketing e a projeção de atributos de marcas. Essas invadem o cotidiano, realizam uma colonização cognitiva e alcançam extrema credibilidade e familiaridade no dia a dia das pessoas. Os indivíduos se sentem íntimos das marcas e a roda dos negócios se retroalimenta.

Se os clientes tiverem reclamações, os serviços de atendimento e acompanhamento de tendências e queixas estão à disposição. Seja para as empresas (basicamente grandes) adequarem-se aos nichos de mercado, seja para responderem à clientela. A imagem e a proximidade são tudo. Essas práticas ocorrem no dia a dia e são ingredientes ponderáveis de legitimação e identificação dos clientes às marcas/empresas.

Do ponto de vista político-partidário, isso quer dizer que os teóricos organizacionais acima assinalados defendiam a tese de que os partidos precisam guardar alguma capilaridade em relação ao meio ambiente externo. Não necessariamente enquadrando o seu público-eleitor alvo, mas ao menos ouvindo os seus reclamos e buscando respostas.

Os partidos políticos brasileiros têm revelado alguma relação com alguma das perspectivas assinaladas? Entendo que não. Têm se apresentado mais como semimonopólios de nichos de mercado eleitoral, paupérrimos em inovação, criatividade e familiarização/identidade.

À direita do espectro político-partidário, assentado em um liberalismo, do ponto de vista econômico, e em um conservadorismo do ângulo político, pouco afeito à participação decisória dos trabalhadores e dos pobres, o PSDB tem se revelado símbolo maior.

Considerando a afeição do seu público-eleitor de “caça”, em regra propenso à agenda desenhada pelos conglomerados de mídia, onde ficam as respostas ao apelo “contra a corrupção”?

Violar o fiapo de democracia pátrio, construído a duras penas pelo Povo Brasileiro, e apoiar um governo como o do golpista Michel Temer (PMDB), escandalosamente corrupto, uma indignidade para o País, atende ao potencial eleitorado do PSDB?

Vale tudo para atender aos ditames do grande capital nacional e internacional? Sobre o PSDB, anos atrás, já tive oportunidade de tecer algumas considerações (1). O golpismo e a submissão aos interesses das corporações empresariais gringas e nacionais têm falado mais alto.

Quanto ao PT, há muito tornou-se máquina partidária e do velho papel educativo já manejado pálida lembrança ficou. Nem o compromisso com o tímido programa eleitoral defendido em 2014 teve a capacidade de sustentar. As forças do mercado, naturalmente antidemocráticas, falaram mais alto. A arbitrária, nefasta, mas indolor queda da presidente Dilma Rousseff guarda muita relação com a debilidade do partido.

Nem atendimento ao papel mercadológico da resposta à clientela eleitoral (exigindo um mínimo de coerência), muito menos a função pedagógica de sabor gramsciano caracterizam o PT. Apenas as circunstâncias de momento, que favoreçam aos interesses da burocracia interna e as identidades semiclubísticas dos militantes.

Por outro lado, voltando ao indigesto assunto da tortura que os servidores do estado do Rio de Janeiro estão submetidos há quase dois anos (2), quero lembrar que os partidos de esquerda, dentro e fora do legislativo estadual, assim como a incógnita Rede, poderiam fazer bem mais para repercutir o problema que tanto tem afetado as vidas de centenas de milhares de funcionários públicos, incidindo na qualidade dos serviços da população, e na própria economia do Rio.

Deixo de lado o PT, pelos motivos assinalados, e o PDT, que se converteu em um triste satélite fisiológico e clientelista do governador Pezão (PMDB). O velho e aguerrido Leonel Brizola deve estar se revirando no túmulo.

Por que a criatividade e o engenho comunicativo, diário, só se efetiva em período eleitoral? É livestream, deslocamento físico pela cidade etc. Porque as esquerdas não tematizam com energia o grave e cruel problema dos servidores? O que impede a circulação por órgãos públicos e diálogos com os pontos de vista, os dilemas, as ansiedades desses servidores?

A maior parte do desemprego gerado, nos últimos meses, no Brasil, é precisamente do Rio de Janeiro! Um fenômeno brutal, que retira oportunidades, comércio, postos de trabalho e horizontes de vida, apresentando relação direta com os expressivos atrasos salariais do funcionalismo público estadual. Esqueceram que o mercado consumidor do estado depende substantivamente desse segmento dos trabalhadores? Ou não tem importância o fenômeno?

O que inibe a realização de entrevistas com aposentados, servidores ativos por meio de câmeras de celular e veiculá-las pela TV, por plataformas múltiplas digitais etc.? O que impede incluir, nas suas ações cotidianas e rotineiras, a desgraça que assola os servidores e os serviços públicos para o tema entrar na agenda pública com ângulos críticos e politizados?

Infelizmente, é a prevalência do cânone eleitoreiro. Toda energia depositada no período de busca por votos. Só que sem entrar no cotidiano das pessoas há poucos ou nenhum voto.

A permanecer como encontram-se, destituídos mesmo da limitada capacidade de ouvir a sua potencial “clientela” eleitoral, é difícil argumentar em prol do regime de partidos em vigor.

O problema é que, se os partidos não são proprietários absolutos da distribuição da vontade popular, possuem papel político decisivo, como a história já demonstrou. As alternativas à erosão completa de sua legitimidade é que, naturalmente, não são de boa memória. É preciso acordar. E ouvir o público-eleitor.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

(1) http://jornalggn.com.br/blog/roberto-bitencourt-da-silva/psdb-reavaliar-ideias-e-reorientar-o-comportamento

(2) https://gz.diarioliberdade.org/artigos-em-destaque/item/164313-a-tortura-com-os-servidores-do-rio-de-janeiro-e-o-comportamento-dos-partidos-politicos.html 

 

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